segunda-feira, 21 de março de 2011

Carta de Manuel Marques Inácio enviada à Directora do Museu do Fado
Dra. Sara Pereira
Muito boa tarde.
 Apesar de passar muito tempo sem a contactar, vou acompanhando algum do seu trabalho, e permita-me que lhe diga, quanto considero que sei que tem desenvolvido, sobretudo no domínio do conhecimento e valorização do Fado de Lisboa e na sua canditatura a Património da Humanidade- candidatura Unesco. Por falha minha, só agora li com mais atenção, a informação que disponibilizam no site do Museu. Este meu desabafo é quase uma carta aberta construtiva e, acredite que no melhor sentido. Todos temos o dever de participar e de fazer um pouco mais pela cultura da nossa Terra.
Por essa razão, pela necessidade contribuir para a definição de fontes mais rigorosas, e pelo muito respeito que tenho pelo que conheço do seu trabalho, permita-me que lhe faça uma pergunta sobre mestre Artur Paredes e algumas reflexões sobre a biografia de seu filho, mestre Carlos Paredes, apresentada na área "Personalidades".
Face à importância que julgo que se deve atribuir ao assunto, passo a expor:

- Sobre mestre ARTUR PAREDES.
Qual o critério de incluir em "Personalidades" ligadas ao Fado de Lisboa, o grande mago da guitarra de Coimbra, que nunca, compôs Fados de Lisboa, nunca acompanhou Fados de Lisboa, nada tem a ver com o Fado de Lisboa, a não ser como homem culto e sensível, artista sério e discreto, de dimensão invulgar, saber reconhecer o valor e a maestria de um Armandinho, de um José Nunes e de alguns outros, numa atitude construtiva e digna.
Com toda a sinceridade não consigo perceber. Procurei outros cultores da Canção (Fado de Coimbra), cantores e instrumentistas, e não encontrei mais ninguém, sendo certo que alguns grandes nomes do universo da Canção (Fado de Coimbra), interpretaram e gravaram, Fados de Lisboa.
Será que a ideia é de que as suas composições, tais como a de seu filho, mestre Carlos Paredes, estão acima, dos universos de Coimbra e de Lisboa, atingindo uma dimensão superior? Sendo assim, ainda que discutível, deverá ser explicado.
Sendo o mestre Artur Paredes, o grande mago da definição da guitarra de Coimbra, da composição e do desempenho no domínio da matriz musical coimbrã mais pura, que abarca a autenticidade da influência popular e da académica, tal particularidade tem de ser explicada. Por outro lado, a sua técnica de execução é ímpar e diferente da de seu filho, o grande mestre da guitarra portuguesa, reconhecidamente o maior neste domínio, e essa realidade, tal a sua dimensão quase sublime, merece uma palavra.

- Sobre mestre CARLOS PAREDES.
Li a biografia que aparece, dentro da página "Personalidades", e fiquei preocupado. Peço o favor de mandar consultar as vossas fontes, pois eventualmente, poderei eu estar a falhar aqui ou ali, e estou muito a tempo de aprender. Assim:
1 - No primeiro parágrafo diz-se: " ... Com o pai Carlos Paredes aprendeu as primeiras posições de mão na guitarra e, por brincadeira, começou com cerca de 9 anos a acompanhar o pai".
Desconheço que Carlos Paredes alguma vez tenha afirmado tal.
Pelo contrário, por exemplo em "Mundo da Canção, nº 54, de 30 de Junho de 1980, pp 12 e 13, em entrevista de Sérgio Ferreira Borges, Carlos Paredes diz: " ...- O meu pai nunca me ensinou directamente, a não ser um único gesto para agarrar a guitarra. Foi a ouvi-lo que eu fui aprendendo....". Ver por exemplo "A Guitarra de um Povo" de Octávio Fonseca Silva, pp 128 e 129, edições de Biografias MC, ano de 2000, Porto. Claro que há outros depoimentos neste sentido.
2 - Ainda no primeiro parágrafo afirma-se: "Mais tarde, já com 14 anos, apresenta-se em parceria com Artur Paredes num programa semanal, da autoria deste, na Emissora Nacional."
Desconheço por completo esta situação, e não consegui encontrar quem me possa esclarecer.
Poderão fazer o favor de me facultar as fontes, que permitem afirmar tal, que se tal se terá passado em 1939? Não esquecer que Carlos Paredes, nasce em 1925.
3 - No terceiro parágrafo, afirma-se que " .. por volta de 1931 a família instala-se em Lisboa."...
A transferência da família, dá-se no início de 1934, pois mestre Artur Paredes, inicia a 27 de Fevereiro desse ano, novas funções na sede do Banco Nacional Ultramarino em Lisboa.
Ainda neste parágrafo "...Faz o exame de admissão ao Curso Industrial do Instituto Superior Técnico, em 1943, mas frequenta apenas o primeiro ano."
No Instituto Superior Técnico, não consta que Carlos Paredes, tenha tido qualquer inscrição.
Nunca terminou o ensino secundário.
Os amigos que com ele contactaram sabem que nunca acabou o curso liceal. É fácil, basta consultar o seu processo individual, como funcionário público que foi.
4 - No quinto parágrafo, é dito: "Carlos Paredes casou por duas vezes, a primeira com Ana Maria Napoleão, em 1960, e a segunda com Cecília de Melo.".
Apenas conheço um casamento de mestre Carlos Paredes. O primeiro referido.
Da relação com Cecília de Melo, nasceram mais 3 filhos, é verdade, mas estou convicto que Cecília de Melo, nunca terá afirmado que tenha casado com Carlos Paredes. Relacionou-se com ele, musicalmente e afectivamente, como por exemplo Luísa Amaro, mas tanto uma como outra, que eu saiba, nunca afirmaram ter casado com o mestre.
5 - No oitavo parágrafo é expresso que: " A sua carreira musical iniciou-se com a sua aventura discográfica, o EP "Carlos Paredes" datado de 1957.  ..."
Não. A sua carreira musical, em termos de gravações, inicia-se em Setembro de 1957, sim, mas acompanhando o Dr. Augusto Camacho Vieira (n. 1924), num disco EP Columbia, SEGC 35 (Fados de Coimbra - Dr. Augusto Camacho Vieira). Disco que volta a ser reeditado em 1958. Neste disco, o violista foi António Leão Ferreia Alves (1928 - 1995), advogado, uma grande figura de violista de Coimbra, cedo radicado em
Lisboa.
O EP "Carlos Paredes", que é um EP, Alvorada, AEP 60.508, é datado de 1962.

Dra Sara Pereira, existem mais alguns erros e omissões, que deveriam ser devidamente analisados, sobretudo tendo em atenção a função informativa, explicativa e de apoio à investigação, que está inerente aos objectivos do Museu.
Exemplos: "Luís Goes". O Luís é com "z". Por outro lado, Carlos Paredes, não me parece que tenha sido "suspenso" da Função Pública, em 1960, na sequência de um último julgamento a 23 de Março, desse ano. Foi "expulso" pela ditadura, por ser um homem de esquerda. Era um idealista, sonhador e um homem sério. Militou no Partido Comunista.
Foi denunciado por um colega de trabalho.
E mais haveria por dizer, mas não devo abusar da sua paciência e disponibilidade.
As situações referidas, são salvo melhor opinião, aquelas que considero mais significativas, e para as quais peço a sua melhor atenção. Obrigado.

Atenciosamente

Manuel Marques Inácio

5 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Esta candidatura, não pode ser classificada de outra forma que não um autêntico disparate. Sinceramente, vai falhar, e eu espero encarecidamente que falhe. Como já disseram aqui no blogue também, a carência de investigação e informação sobre o fado (sim, para mim o Fado de Coimbra existe) em geral, é no mínimo constrangedora.

Um bem haja a todos!

22 de março de 2011 às 08:57  
Anonymous Anónimo disse...

O Paredes ligado ao Fado de Lisboa?"Nunca,jamais em parte alguma".
Ainda bem que ele já cá não está.Era capaz de morrer de morte súbita.

22 de março de 2011 às 12:00  
Anonymous Anónimo disse...

Acredito que esta candidatura não tem pernas para andar para a frente, mas se por algum milagre ela for aceite, que seja pelo melhor e que promova uma pesquisa séria, que falta não só ao Fado e à Canção de Coimbra, como ao Fado de Lisboa também.

Quanto ao Artur Paredes e ao Carlos Paredes, concordo que são artistas de um universo e culturas completamente diferentes daqueles do Armandinho, no entanto, para sermos absolutamente precisos, devemos considerar que ambos chegaram a tocar o fado (quem não chegou, honestamente?). As famosas Variações em Ré menor do Artur Paredes são variações sobre o tema do Fado Menor, sem tirar nem pôr; o Carlos Paredes também veio a gravar outras Variações em Ré menor que atribuía ao avô (desconfio que erradamente), também sobre o Fado Menor, tendo chegado a coligir ambas sobre (parafraseando) «Variações sobre o Fado de Artur e Gonçalo Paredes». O Artur Paredes também gravou com o Edmundo Bettencourt alguns fados de Coimbra (que o são, pela sua estrutura formal).
Infelizmente parece existir um certo complexo de inferioridade perante o fado (sobretudo quando se lhe põe a conotação de lisboeta) entre a malta de Coimbra; basta verificar a eterna polémica do Fado vs Canção (ainda que seja absolutamente admissível que ambos existam) ou o post do anónimo anterior - politiquices e clubismos que não têm aqui lugar. O fenómeno do fado desde o meado do séc. XIX até ao início do séc. passado é completamente mal compreendido, e a falta de investigação publicada não ajuda a questão.

Por fim, quanto aos erros que se encontram nas biografias, o Exmo. Sr. Manuel Marques não se admire, que já fazem parte do território, e infelizmente são habituais. O papel preponderante do Museu do Fado é o de promover o história do fado em Lisboa e da sua cultura (por em Lisboa se encontrar); mas, se quiserem promover artistas da música de Coimbra, óptimo, já que Coimbra não o faz (devidamente); o ideal seria, claro, fazer-se algo semelhante em Coimbra, mas garganta toda a gente a tem...

23 de março de 2011 às 13:14  
Anonymous Anónimo disse...

Boa noite

Venho desta forma pedir ao anónimo anterior o favor de se identificar pois gostava de trocar algumas impressões directas sobre a obra dos mestres Artur e Carlos Paredes, com vista à valorização do trabalho de investigação em que estou empenhado. Verifica-se pela reflexão que faz, que sabe bem o que está a dizer e não será muito difícil depreender que conheceu relativamente bem ambos, até pela forma próxima como se refere aos dois. Por outro lado o que diz está absolutamente certo. Essa experiência, esse conhecimento, partindo da hipótese que não me estou a enganar, seria muito importante para o que estou a investigar e a escrever. Seria óptimo.
Se o anónimo pudesse deixar cair essa do "Exmo Sr." que poderá entre outras leituras, significar um distanciamento e algo mais, eu ficaria grato, e facilitaria a minha investigação quinzenal em Coimbra e um contacto directo que muito me seria útil. Muitos me conhecem e sabem que apesar de ser doutorado em engenharia, sou um homem simples, nascido no seio povo, ao qual me orgulho de pertencer. Tenho uma relutância inultrapassável a qualquer tipo de vaidade, hipocrisia ou desconsideração.
Não coloquei, mais cedo, aqui no Blog, esta minha modesta contribuição, porque aguardava a resposta do Museu do Fado. Como eu calculava, não veio da sua Directora, mas de uma colaboradora próxima. A resposta é muito educada, como não podia deixar de ser, simpática, mas recheada de desconhecimento e fugindo claramente à questão central sobre a família Paredes. Tentarei continuar a explicar-lhes o que sei, desde a Coimbra que vivi há quarenta e quase cinco anos, mas que nunca abandonei, porque faz parte do meu viver.
Mentiria se não disesse que grandes figuras e amigos do universo da canção coimbrã, me estão a ajudar no trabalho de pesquisa relativo à obra e intervenção de mestre Artur Paredes, de quem nalguns aspectos, e imcompreensívelmente, pouco se sabe. Como exemplo, poderei dar, que a única dissertação de mestrado que aborda a obra e a vida do mestre, desenvolve a teoria, após uma investigação séria, de que o mestre deverá ter estudado no Colégio dos Órfãos em Coimbra, o que na realidade nunca aconteceu. Por lá ocupei também muitas horas de investigação.
Estudou sim num Colégio de Coimbra, mas não aquele.
O mestre contráriamente ao que muitos julgam, foi na sua actividade bancária, um técnico altamente qualificado para a época, e que apesar de ter vários amigos a interceder por ele no BNU, técnicamente, de tal não necessitava. A visão mesquinha e redutora de alguns, não acompanharam o seu espírito, determinação e talento superior. Também ver o Pai suicidar-se depois de tentar matar a mulher, com três tiros de pistola, é algo que forçosamente tem que afectar um jovem tão desprotejido familiarmente e com pouca aceitação posterior por parte de seu tio Manuel Paredes e pela comunidade não académica, de Coimbra. As dificuldades financeiras, algumas polémicas, os desgostos e as incompreensões, levaram-no logo que lhe foi possível, a sair de Coimbra.
Realmente, mestre Artur Paredes, nunca pisou a Universidade, mas tinha o Curso de Contabilista, o que para a altura, era quase o equivalente a um bacharelato.
Aos que metêm ajudado na investigação e aos outros que penso que poderão disponibilizar muito do sabem, o meu obrigado.
Eu sei que deixei partir muitos e muitos que poderiam ajudar, como José Rodrigues, António Ferreira Alves, João Bagão, António Portugal e alguns outros. Até o ancião e Juiz Conselheiro Dr. Agostinho Fontes, grande cantor de Coimbra, que aos 100 anos ainda estava perfeitamente lúcido,e que amigo que era, com vivências conjuntas nos anos 20 do século passado, muito me poderia ajudar. Mas partiu em 1990.
Resta-me a certeza que alguns outros que tiveram o privilégio de contactar com mestre Artur Paredes, e que eu conheço quase todos,me estão e irão dar a sua ajuda. Obrigado por me darem a possibilidade de escrever estas linhas.

Bem Hajam


Mnuel Marques Inácio

16 de abril de 2011 às 01:27  
Anonymous Anónimo disse...

Amigos

Acabo de verificar que passaram dois erros de ortografia. As minhas desculpas e o meu obrigado

MMI

16 de abril de 2011 às 16:05  

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