terça-feira, 26 de julho de 2011

O REPERTÓRIO DA GUITARRA PORTUGUESA CIRCA 1800
A Guitarra, que segundo dizem, teve a sua origem na Gram-Bretanha,
he hum  instrumento, que [...]  tem sido aceito por muitos Povos, [...]
 e vendo eu que a Naçaõ Portugueza a tinha também adoptado, e se
empenhava a tocalla com a maior perfeiçaõ, desejando concorrer
para a instrucçaõ dos meus Nacionaes, [...] [e] por naõ haver
Tractado algum [...] compus o presente Opusculó, [...]
(LeiteG, p. 25)

Guitarra portuguesa, s.f. O nosso instrumento popular por excellencia,
é uma imitação tradicional da cithara ....O proprio nome é identico,
pois guitarra não é mais do que a modificação de cithara ....
(VieiraD, 1890, p. 210)

M a n u e l   M o r a i s
CHAIA/UÉ

1. Nota introdutória

O termo Guitarra é usado em Portugal, desde o século XVIII, para designar um cordofone de mão de caixa periforme, pertencente à família das cítaras europeias. A guitarra foi extremamente popular como instrumento de salão por toda a Europa ocidental, desde o século XVIII até ao início do XIX, disseminando-se o seu uso na Alemanha, França, Itália, e muito particularmente na Inglaterra, Irlanda e Escócia, bem como nas colónias inglesas da América do Norte. A popularidade generalizada deste instrumento, designado em inglês por guitar (ou guittar) e em alemão por Zister (ou chithara), é comprovada pelo considerável número de instrumentos, métodos e colecções de repertório que chegaram até nós.[i]

Ainda que continuem a faltar testemunhos históricos fiáveis, tudo sugere que logo em inícios do século XVIII, a guitarra terá também sido introduzida em Portugal, numa das manifestações da crescente influência cultural das feitorias comerciais britânicas de Lisboa, Porto e Madeira – em particular da colónia portuense.[ii]

A mais antiga e inequívoca referência documental conhecida deste instrumento no nosso país, encontra-se no Rol dos devottos q. daõ suas esmollas pa se fazer hum sitial pa a Capella da nossa sancta a glorioza Virgem Martir Sa Cecilia, Lisboa 1720, onde é mencionado o nome de «António Cardoso guitarra», seguido de «Ilário Gomes violla»,[iii] o que distingue de forma precisa e clara ambas as famílias deste dois tipos de instrumentos de corda dedilhada.[iv] Por volta de 1755 já o mestre-de-capela da Sé do Funchal, António Pereira da Costa (c. 1697-Funchal, 1770), deu à estampa uma colectânea de serenatas para a guitarra, contendo o mais antigo repertório escrito por um português para este instrumento, que ficará conhecido entre nós por “guitarra inglesa”.[v] Contudo, o primeiro método impresso dedicado a este tipo de instrumento é da autoria do mais destacado músico portuense setecentista, António da Silva Leite (1759-1833), tendo sido publicado no Porto em 1795 e reeditado no ano seguinte na mesma cidade, com o título:

ESTUDO DE GUITARRA, em que se expoem  o meio mais facil para aprender a tocar este instrumento [...] Por [...] Mestre de Capella, natural da Cidade do Porto. Porto: Na Officina Typografica de Antonio Alvarez Ribeiro. Anno de MDCCXCVI.[vi]

Este tratado contém uma descrição detalhada sobre as características organológicas da guitarra, tais como gravura do instrumento, número e tipo de cordas e afinação, além de regras para a bem tocar, chegando ao pormenor de particularizar o uso das unhas naturais da mão direita, em alternância com a polpa dos dedos.[vii] No final junta uma colectânea de obras para duas guitarras da sua autoria, além de uma tocata de Francisco Gerardo (fl.1770-1796), “para uso e desembaraço dos principiantes.”. A guitarra inglesa, tal como entrou em Portugal, é constituída por uma caixa periforme de fundo chato ou ligeiramente abaulado (normalmente de sicômoro, ácer - acer pseudo-platanus- ou plátano); duas ilhargas altas, aproximadamente da mesma altura; tampo plano de “pinho de Flandres” ou de “Veneza” (nomes genéricos para a epicea excelsa e para a epicea abies), onde é aberta uma boca redonda que pode ser ornamentada com uma roseta; braço curto, terminando num cravelhal, para cravelhas dorsais ou laterais em madeira ou, mais usualmente, num carrilhão de chapa quadrada com um sistema de parafuso sem fim, accionado por uma chave de relógio. Ao cravelhal está quase sempre apensa uma cabeça, ou em voluta ou em forma de martelo, geralmente rematada por uma pequena decoração. A escala da guitarra pode ser plana ou um pouco abaulada, ressalta sobre o tampo, e é dividida cromaticamente por 12 a 17 trastos de metal, vulgarmente de chapa de latão batido. No tampo harmónico é colocado um cavalete móvel; no fundo das ilhargas encontra-se o atadilho, que é constituído por botões (ou pinos, de marfim ou osso) onde se prendem as cordas. Alguns exemplares são construídos com um teclado de seis teclas colocadas sobre o tampo;[viii] noutros, a escala e o braço são perfurados por três a cinco orifícios entre os seus primeiros trastes, onde é apertado um transpositor móvel, a tarracha (ou capotasto).[ix] A guitarra no século XVIII arma normalmente com dez cordas metálicas (aço para as duas primeiras ordens, latão para a terceira, aço coberto de fieira para a quarta ordem e quinto e sexto bordões singelos), agrupadas em quatro ordens de cordas duplas mais duas cordas simples (bordões); nalguns exemplares é acrescentado um bordão no grave, perfazendo um total de onze cordas. O seu tiro de corda oscila entre os 420 e os 560 mm, no guitarrão de onze cordas.[x] As afinações mais usuais deste instrumento são:[xi] «afinação natural» (do grave para o agudo) dó2 - mi2 - sol2 / sol2 - dó3 / dó3 - mi3 / mi3 - sol3 / sol3 (dez cordas); (onze cordas) sol1 - dó2 - mi2 - sol2 / sol2 - dó3 / dó3 - mi3 / mi3 - sol3 / sol3 (Ex.º 1). 
Ex.º 1:
Segundo Silva Leite, as melhores guitarras vinham de “[...] Inglaterra, he o melhor Auctor Mr. Simpson; e nesta Cidade do Porto, he Luis Cardoso Soares Sevilhano, que hoje em pouco desmerese ao referido Simpson.”.[xii] Infelizmente nenhum instrumento do citado Sevilhano chegou até nós, sendo bastante raras as guitarras inglesas - montadas com 10 cordas - construídas por violeiros portugueses - montadas com 10 cordas - construídas por violeiros portugueses.[xiii]
A guitarra portuguesa: designação e características dos instrumentos  inventariados
 Encontramos a primeira menção do vocábulo guitarra, acrescido do epíteto “portuguesa” (guitarra portuguesa), na indicação do andamento de um Minueto (da Sonata IV) impresso (c. 1770-1780) para cravo, do compositor português Alberto José Gomes da Silva (fl. 1764-1795): Ande Nell Stille della chitára Portuguesse.[xiv] Numa compilação manuscrita sem autor e sem data, mas provavelmente copiada por volta de 1794, pode-se ler, “[...] para uma e duas guitarras portuguesas.”[xv] Na década de 1810-30, num manuscrito de Bartolomeu José Geraldes, que contém adaptações de aberturas de óperas, o vocábulo guitarra reaparece com o determinativo portuguesa: “Guitarra Portugueza Com acompanhamento de Guitarra Franceza ou Violino.[xvi] Ernesto Vieira (1848-1915) mantém esta classificação deixando-nos uma descrição muito detalhada do instrumento, morfologicamente muito similar ao inglês, salvo ser montado com seis ordens de cordas duplas.[xvii]
Em Portugal, sensivelmente desde o último quartel do séc. XVIII, também se construíam guitarras morfologicamente idênticas às ditas inglesas, salvo serem montadas com doze cordas agrupadas em seis ordens de cordas duplas. O viajante inglês Robert White (fl. 1842-1860) refere o uso deste tipo de instrumento na ilha da Madeira, por volta da década de 1851: “[...] the guitarra, or old English guitar, with     six double wires.”[xviii]
O mais antigo exemplar português conhecido deste tipo de cordofone, e que julgamos estar em estado original, tem a seguinte etiqueta impressa:
Jaco Vieira da Silva
a fez em Lisboa na
Praça da Alegria
anno de 17[- -][xix]
Como se vê, o artesão não preencheu manualmente na etiqueta os últimos dois dígitos (como era uso na época), o que nos leva a questionar a verdadeira data da sua feitura. Provavelmente esta preciosa guitarra terá sido construída na década de 80 de setecentos (17[80]). O instrumento, que mostra construção muito requintada, tem uma roseta recortada em latão incrustada no tampo harmónico, onde também lhe foram embutidos adornos em madrepérola. A escala é dividida por doze trastes de chapa de latão batido. A partir do 2.º traste foram abertos quatro orifícios, que perfuram a escala e o tampo, para receber o transpositor. O cravelhal é do tipo de chapa quadrada com sistema de parafuso sem fim, de doze cravelhas, accionadas por uma chave de relógio. O tiro de corda é de 432 mm.[xx]
Uma outra guitarra, construída ainda no século XVIII e montada com seis ordens de cordas duplas, guarda-se no Museu da Cidade de Lisboa e tem a seguinte etiqueta impressa:
JOAQUIM Pedro dos REI[S]
a fez
                                    Em Lisboa no anno de 17[64] [xxi]
Os últimos dois dígitos (que aqui colocámos dentro de parêntesis rectos) são manuscritos, seguramente por uma mão já do século passado.[xxii] Não temos dúvidas que esta guitarra portuguesa, ainda que tenha recebido algumas modificações em data incerta, foi construída, com bastantes probabilidades, pelos finais da década de 90 do século XVIII (17[90]). De construção muito simples e decoração sóbria (só apresenta um elemento embutido na base da caixa bastante semelhante aos usados nos machetes, rajões  e violas d’arame madeirenses construídos no séc. XIX[xxiii]), tem  o corpo  mais largo que o habitual e o seu tampo harmónico e as ilhargas são de “pinho de Flandres”. O braço, original, foi pintado de preto, terminando num cravelhal em forma de pá recortado, para 12 cravelhas dorsais, semelhante ao usado pelas violas portuguesas setecentistas. Actualmente apresenta a escala, de pau santo, que cremos não ser a original, dividida  por 17 trastes cromáticos de chapa de latão batido. O tiro de corda é de 440 mm.[xxiv]
            A estas duas guitarras portuguesas setecentistas, podemos juntar outra construída também em Lisboa, por um tal João António, que mostra a seguinte etiqueta impressa:[xxv]
João Antonio
a fez em Lisboa
ao Poço do Borratem.
Ainda que não seja uma guitarra de construção tão refinada como a primeira (pois faz uso de materiais menos nobres), mostra as seguintes características: escala em pau-santo, ligeiramente abaulada, dividida por 14 trastes de chapa de latão batido (10 até à junção com o braço); quatro orifícios atravessam o braço e a escala, para receber o transpositor; a cabeça é em forma de martelo (à maneira da guitarra inglesa), rematada no topo por uma decoração quadrangular; atadilho original com 12 botões em osso; fundo e ilhargas de plátano (de óptima qualidade); tampo em espruce (Picea abies), onde foi aberta a boca, ornamentada com vários filetes concêntricos de madeira escura; cravelhal em latão para doze cordas, do tipo chapa quadrada com sistema de parafuso sem fim, accionado por uma chave de relógio; tiro de corda de 440 mm. Ainda que não tenha data, podemos adiantar, com bastantes probabilidades, ter sido construída c. 1800.[xxvi]
            No Museu da Música, em Lisboa, guarda-se uma quarta guitarra que arma com seis cordas duplas, construída pelo violeiro bracarense Domingos José Araújo (fl. 1806-1820), no ano de 1806, conforme se lê na etiqueta manuscrita:
Dom.os Joze de Araujo
a fez em Braga na
Rua dos Chaos de
Cima. Anno de 1806.[xxvii]
O instrumento encontra-se em estado quase original, exceptuando vários acrescentes em pinho no braço de ácer, feitos em data incerta. No entanto a sua feitura não é tão esmerada se a compararmos com duas guitarras inglesas construídas por este artesão bracarense, uma no ano de 1807 e outra em 1812.[xxviii] A escala, em pau-santo, não é a original, tendo sido substituída, provavelmente na segunda metade do século XIX, e está dividida por dezassete trastos de chapa de latão batido. O fundo e as ilhargas são em ácer, o tampo harmónico é de espruce, onde foi colocada uma roseta em estrela de oito pontas. Usa, como as demais, um carrilhão de chapa quadrada para doze cravelhas. O seu tiro de corda é de 442 mm.
A este lote, juntamos ainda duas belas guitarras portuguesas, construídas por Henrique Rofino Ferro (fl. na 1.ª metade do século XIX), onde se lê, nas duas etiquetas, o seguinte:[xxix]
HENRIQUE ROFINO FERRO
A fez em Lisboa
Ao Poço do Borratem Nº 73 A
De construção muito cuidada, estas duas guitarras são muito semelhantes, quanto à sua feitura e aos materiais empregues. Na que cremos ser a mais antiga,[xxx] o fundo, as ilhargas e o tampo são de casquinha (Pinus Sylvestris), a escala é em pau-santo, dividida por 14 trastes de chapa de latão batido. No tampo foi aberta a boca que é ornamentada por uma moldura, com motivos do tipo “rosa dos ventos” de doze pontas. Na base do tampo é ainda visível um embutido do tipo floral, em madeira escura. O cravelhal é em pá recortada, rematando em forma arredondada, onde foram colocadas doze cravelhas dorsais em madeira, provavelmente de pau-santo. Tiro de corda, 432 mm. Quanto à segunda,[xxxi] é bastante idêntica à anterior: ilhargas, fundo e tampo harmónico de casquinha; no tampo foi aberta a boca, que é ornamentada com uma moldura circular, onde foram embutidos motivos em madrepérolas sobre um fundo de massa de cor avermelhada, mostrando ainda na sua base um embutido em madeira escura, maior e mais elaborado que no outro cordofone; a escala é também de pau-santo dividida por 14 trastes, terminando pelo mesmo tipo de cravelhal em pá, com doze cravelhas dorsais de pau-santo. O tiro de corda é de 430 mm.
Para rematar este levantamento, juntamos a descrição de uma valiosa guitarra portuguesa, recentemente descoberta. Este instrumento, que foi construído em Lisboa, arma com doze cordas, mostrando na sua etiqueta impressa o seguinte:[xxxii]
Esta peculiar guitarra portuguesa – que cremos não teve qualquer intervenção a nível de restauro – mostra as seguintes características: fundo de duas metades e ilhargas em ácer; tampo em espruce, onde lhe foi aberta a boca que é ornamentada com uma moldura circular, com embutidos em madrepérola sobre um fundo de massa de cor avermelhada;[xxxiii] braço e cabeça, em ácer, terminando em forma de martelo (à maneira da guitarra inglesa) e rematada no topo por uma pequena decoração quadrangular em pau-santo; cravelhal em latão, para doze cordas, do tipo chapa quadrada com sistema de parafuso sem fim, accionado por uma chave de relógio (que também existe); escala em pau-santo, ligeiramente abaulada, dividida por 14 trastes de chapa de latão batido (10 até à junção com o braço); atadilho para seis pinos ou botões em osso (só tem três); cavalete original em pau-santo; tiro de corda de 440 mm. Falta ler a etiqueta impressa que, infelizmente, está um pouco danificada: “S[E]BASTIA[O] / N[?]ES [xxxiv] / A fes em Lisboa”.[xxxv] Na etiqueta não consta a data da feitura do instrumento; provavelmente a sua construção foi realizada por volta da década de 1820.[xxxvi]
 2.1. Afinação
            Desconhecemos quem foi o artesão setecentista (bem como a data e o local deste feliz “invento”) autor da dobragem das 5.ª e 6.ª cordas na guitarra portuguesa. O que podemos enaltecer nesta modificação estrutural praticada nas cordas graves (que, quanto sabemos, não foi usada na tradicional montagem da guitarra inglesa) reflecte-se inevitavelmente na melhoria, tanto do seu timbre como, sobretudo, do volume sonoro do “novo” instrumento. Os bordões simples (fio de aço coberto de fieira de prata, ou outro metal, como por exemplo o cobre) usados na “velha guitarra inglesa” são, do ponto de vista acústico, muito “surdos” e desse modo parcos em harmónicos superiores. O uso de cordas duplas afinadas à oitava (um bordão fiado + uma corda de aço simples) nas duas últimas ordens da guitarra portuguesa, vem melhorar substancialmente a clareza dos seus graves e tornar, como já afirmámos acima, muito mais rica a sua paleta tímbrica. Assim, tendo como base a velha afinação “natural” da guitarra inglesa, propomos que sejam oitavadas as duas últimas ordens (aço simples + bordão), mantendo o aço para as duas primeiras ordens, enquanto que a terceira armaria com as duas tradicionais cordas de latão simples e as quartas com dois bordões fiados (Ex.º 2):[xxxvii]
Ex.º 2:
Esta maneira de armar o instrumento, só oitavando as duas últimas ordens, é, para todos os efeitos, uma hipótese viável e bastante credível que tenha sido a praticada nesta época, apesar da total falta de fontes documentais setecentistas. Contudo, conhecemos outra maneira de montar a guitarra portuguesa, que é proposta por Ernesto Vieira já no final do século XIX, onde são oitavadas as 4.ª, 5.ª e 6.ª parcelas. Cremos que esta última possibilidade reforça ainda mais a sonoridade do instrumento tornando-o muito mais rico e multifacetado, sobretudo do ponto de vista tímbrico, pois alarga substancialmente o uso dos harmónicos superiores (Ex.º 3):
A guitarra [portugueza] é armada com cordas metallicas, afinadas aos pares, sendo os tres primeiros pares em uníssono e os outros tres em oitava. Teem os nomes e afinação [natural] seguinte: 1. – Primas (sol3 / sol3),  cordas simples em aço; 2. – Segundas (mi3 / mi3), idem; 3. – Toeiras (dó3 / dó3), cordas simples de latão; 4. – Prima e bordão de primas (sol2 / sol3), uma corda simples de aço e um bordão; 5. – Segunda e bordão de segundas (mi2 / mi3), idem; 6.  Toeiras e bordão de toeiras (dó2 / dó3), uma corda simples de latão e um bordão. [xxxviii]
Ex.º 3:
Deixamos assim ao livre arbítrio dos modernos executantes, a escolha entre estas duas maneiras de armar a guitarra portuguesa, atendendo sobretudo às peças que quiserem resgatar, sem nunca esquecerem que, se pretendem fazer uma interpretação historicamente informada, devem ter em conta as características musicais do repertório desse período que, neste caso, se situa sensivelmente entre o último quartel do século XVIII e inícios do XIX.[xxxix]
3. Repertório
            Se atendermos que a guitarra em Portugal -  ainda que morfologicamente seja muito semelhante à inglesa – começou a ser construída com doze cordas, agrupadas em seis parcelas de cordas duplas, sensivelmente a partir do último quartel do século XVIII, a pergunta que se nos coloca é a seguinte: que repertório tocariam os tangedores, neste final do século, se dispusessem de um instrumento assim armado? A nosso conhecimento, as únicas fontes (colectâneas manuscritas), cujo repertório se indica expressamente para serem tocadas na dita “guitarra portuguesa”, são duas: uma dos finais de setecentos (c. 1794) e a outra do segundo decénio do século XIX (ver abaixo quadro com a listagem do repertório). Nesta última fonte, como veremos, só nos chegou a parte da guitarra, cujo repertório é constituído por transcrições de aberturas de árias de ópera, de compositores que estiveram activos entre as décadas de 1810-20. Cremos, se entretanto não se descobrir um repertório original escrito expressamente nos finais do século XVIII para o cordofone em questão, que o executante que nesta época dispusesse de um instrumento armado com seis ordens de cordas duplas, tocaria sobre ele as obras que nos chegaram desta época (manuscritas e impressas), sensivelmente entre as décadas de 1780 e inícios da centúria seguinte, de autores como António da Silva Leite (1759-1833), Francisco Gerardo (fl. 1770-1796), Frei Francisco de São Boaventura (fl. 1773-1802), Manuel José Vidigal (fl. 1796-1826),[xl] João Gabriel Le Gras (fl. 1790-1807) e Bartholomeu Joze Giraldes (fl. c. 1820), assim como uma plêiade de autores anónimos deste período histórico. Este repertório era constituído, além do acompanhamento das célebres modinhas, a solo ou em dueto, de arietas e árias a solo, por uma grande variedade de peças puramente instrumentais, tais como, prelúdios, minuetes (a solo e duo), contradanças, gigas, marchas, fanfarras, gavotas, pastorelas, cotilhões, sonatas, sonatas bipartidas e tripartidas. Nalgumas das peças a guitarra é acompanhada por uma parte de violino (para um ou dois instrumentos), duas trompas, e até conhecemos um quarteto para dois bandolins e duas guitarras; noutras ainda, a guitarra é apoiada por um baixo continuo (ver abaixo quadro com a listagem do repertório). Todavia, cremos que não será um  “crime de lesa majestade”, se o executante moderno puder alargar o repertório que se conhece, estendedo-o até meados do século XVIII, e tocar as célebres, e pouco conhecidas, Serenatas de António Pereira da Costa, limitando-nos, neste caso, somente ao corpus da música escrita por portugueses para a guitarra (seja ela inglesa ou portuguesa), ou por estrangeiros que viveram e compuseram para o instrumento no nosso País. No quadro abaixo, faz-se a listagem do repertório que conhecemos desta época (c. 1780 - c. 1820).

Relação das obras
(sécs. XVIII e XIX)

Descrição do seu conteúdo
e observações

Anónimo, Minuetes e Sonatas Para Guitarra. P-Ln, M.M. 5084. Ms. s.d., c. 1790.
Contém sonatas e peças soltas para guitarra a solo: p. 2, Sonata Allº; p. 4-5, Allegro Moderato, Adágio e Rondó Alegretto; p. 6, Sonata Allegro e Minuete; p. 8-9, Sonata Allº e Minuete, p. 11, Minuete. As pp. 3, 7, 10 e 11 estão em branco.
Ainda que anónimo, este ms. é, provavelmente, de Francisco Gerardo. 
Anónimo, [Peça para duas guitarras]. P-Ln, M.M. 5086. Ms, s.d. e s/título, c. 1794.
Ms. incompleto, só existe uma folha, onde foram copiadas, uma por baixo da outra, as duas partes da 1 gitara [sic] e 2 guitara [sic]. A peça a 3/4 sem título (minueto?) está truncada.
 
António da Silva Leite, Moda a Solo. Lisboa: Fran.co Dom.gos Milcent, 1794. (Jornal de modinhas, Ano 2, N.º 18). P-Ln, M.P. 46//42 A, http://purl.pt/14642 (acesso em 15-II-2011).

Modinha a solo: Tempo que breve passastes. Cf. MoraisM, pp. 51-4.
António da Silva Leite, Duetto novo com accompagnam.to de duas guitarras, violla e baixo. Lisboa: Fran.co Dom.gos Milcent, 1794. (Jornal de modinhas, Ano 2, N.º 19). P-Ln, M.P. 46//43 A, http://purl.pt/14643 (acesso em 15-II-2011).

Modinha a duo: Amor concedeu-me um prémio.
António da Silva Leite, [“Modinha, N.º 3: Sinceros ternos Pastores, com acompanhamento de duas guitarras”].

GL,  10-IX-1796, Avisos, 2.º Supl. N.º 36: “Na Real Fabrica de Música na rua direita de S, Paulo, defronte da Casa da Moeda, aonde se continúa o Jornal de Modinhas, dedicado a S.A.R. a Princeza N.S., por Francisco Domingos Milcente [fl. 1765-1797], sahírão á luz as seguintes Modinhas do 5.º Jornal: [...]”. Não se conseguiu localizar este 5.º volume, nem nas bibliotecas e arquivos portugueses nem nos estrangeiros,  cf. AlbuquerqueE, pp. 119-21.

António da Silva Leite, Seis Sonatas de Guitarra com acompanhamto de hum Violino & duas Trompas ad libitum; offerecidas a S. A. R. a Senhora D. Carlota Joaquina, Princeza do Brazil. Porto. Anno de MDCCXCII, s.l. e s.n., P-Ln, M.P. 1188, 1189, 1190 A (falta a parte da 1.ª trompa) e P-La, 137-III-66 (completa)




GL, 19-XI-1791, Avisos, 2.º Supl. N.º 46: “Estão a  publicar-se seis Sonatas de Guitarra com accompanhamento de huma Rebeca, e duas Trompas ad libitum, impressas em Hollanda, composta por Antonio da Silva Leite, Mestre da Capella, e natural da cidade do Porto. Quem quizer subscrever para ellas, poderá mandar o seu nome áquella cidade de António Alvares Ribeiro, e á loja da esquina da rua das Flores [...].”. GL, 23-II-1793, 2.º Supl. N.º 8: “Sahirão á luz [...] Seis Sonatas de Guitarra com acompanhamento d’hum Violino, e duas Trompas ad libitum, offerecidas a S.A.R. A Senhora D. Carlota, Princeza do Brazil, composta por Antonio da Silva Leite, Mestre da Capella na Cidade do Porto. Vendem-se na referida Cidade na rua das Flores, como tambem em Lisboa na loja [...] de João Baptista Reycend, [...]”.
Editada no Porto por António Alvarez Ribeiro [fl. 1775-1800] , “impressas em Hollanda”, mas desconhece-se o nome do gravador, cf. FerreiraO, p.  174.  Em P-La, lê-se: “Duas colecções encadernadas em pele vermelha com ferros dourados”.

António da Silva Leite, Estudo de Guitarra […] Porto: Na Officina Typografica de Antonio Alvarez Ribeiro. Anno de MDCCXCVI.

LeiteE, pág. de roso: “[...] A SEGUNDA [Parte] AS DA GUITARRA; A que se ajunta uma Colecção de Minuettes, Marchas, Alegros, Contradanças, e outras Peças mais usuaes para desembaraço dos Principiantes: tudo com accompanhamento de segunda Guitarra.” Peças de Silva Leite (com segunda guitarra), pp. II-XXI: Minuete, Marcha Ingleza, Marcha do Primeiro Regimento do Porto, Minuete de Bocherini chamado dos Hungaros, Minuete, Marcha do Baile dos Hungaros, Minuete da Inviada, Minuete da Saudade, Fanfarra All.º Assai, Minuete Inglez, Minuete da  Corte; Segundo Minuete Inglez, Contradança All.º Assai, Minuete, Gavota All.º, Fafarre All.º Assai, Giga Ingleza All.º Assai, Marcha, Minuete, Marcha, Contradança, Allegro, Minuete, Contradança dos Saltoens, Retirada Militar All.º Assai, Marcha, Gavota All.º Assai, Andantino, Giga Ingleza All.º Assai, Pastorella And.e moderato, Fanfarre All.º Assai, Pastorella And.e moderato, Cotilhaõ Retirada Militar All.º Assai, Retirada Militar All.º Assai, Retirada Militar Presto, Allegro, Malbruch Andantino, Contradança, Minuete do Príncipe e Minuete; de Francisco Gerardo (tb. com segunda guitarra), pp: XX-XXI: Tocata Allegro.

António da Silva Leite, Arte de Musica [para uma ou duas guitarras]. Ms. s.d., c. 1798, P-Pm, MM 80.

É a  maior compilação de obras manuscritas que se conhece para uma ou duas guitarras (inglesa?) do compositor e guitarrista portuense, António da Silva Leite. Esta importante colecção, foi grafada em data incerta, provavelmente  no último decénio de setecentos - talvez tenha sido copiada em data anterior ao impresso de 1795 (LeiteG), já que era hábito na época correrem em manuscritos  avulsos ou em colectâneas deste tipo, antes de serem dadas à estampa. Não vamos fazer uma descrição detalhada do seu conteúdo, porque já existe uma muito bem elaborada por CabralC, pp. 66-8. Contudo, vamos resumir o que encontramos nesta peculiar Arte de Música.[xli] Além de duas páginas dedicadas aos rudimentos da música, foram grafadas as seguintes peças: dez Prelúdios (a solo) escritos sobre as tonalidades (algumas pouco usuais neste instrumento), de Ré m., Sol m., Mi M., Lá M., Dó M. Fá M., Ré M., Sol M., Dó m. e Fá m.;  oitenta e seis Minuetos, para duas guitarras (se bem que nalguns só tenha sido copiada a 1.ª guitarra, o que nos leva a deduzir que a compilação não tenha sido terminada), num deles foi escrito um texto debaixo da 1.ª guitarra (para se cantar ao mesmo tempo que se tocava?), cujo incipit  diz, “Minha saudade he tam violenta”; duas Contradanças; três Gigas; dez Marchas; e uma única Sonata (bipartida, 1.º andamento sem indicação de tempo seguido de um Adágio).
 
Francisco Gerardo, Novas Sonatas. Para duas Guitarras. Auctor Francisco Girardo. Guitarra 1.ª. P-Ln, M.M. 5085, c. 1790.

Ms. (autógrafo?) truncado, só existe a parte da 1.ª guitarra. Contém: pp. 2-3, Tocata 1.ª Andante com motto e Minuete (ambas em Dó M; pp. 4-5, Tocata 2.ª Adágio e Allegro Com Spirito; pp. 6-7, Tocata 3.ª Andante. A p. 7 foi cortada logo a seguir ao primeiro pentagrama, mas é ainda possível ler-se: Tocata 4.ª All[egro com mo]tt[o]. Todas as tocatas (ou sonatas) são em Dó M.

[Francisco Gerardo?], [Peça breve para guitarra]. P-Ln, M.M. 5087, Ms., s.d. c. 1790.

Parte de guitarra a solo em 2/4, com indicações de dinâmica.
Fr.[ei] Francisco de S. Boaventura, Carm.[elita] Cal[çado], Sonata Para duas Guitarras, e dous Violinos Para executar no seu Principio A Ex.ma  Sr.a D. Maria Barbara Composiçaõ Do R.mo P.e M.e S.r Fr. Francisco de BoaVentura Carm. Calç:  A.D. 1789. P-Ln, M.M. 255//1.

Ms. incompleto, só existe a parte da 1.ª guitarra. Contém várias obras (sonatas e peças breves): pp. 4-5, Allo non Molte e Minuete Un poco And.e, Minuete; p. 6, N. 3 Minuete All.to / All.º; pp. 6-7,  N. 4 Minuete, N. 8 Marcha dos Ung.[aros]; p. 8, Pma Sonata Mto Esprecivo / variaçaõ da 2.ª Pa.te,  Rondó, All.º / Minore; p. 9, Sonata della Moderato e Minue[te] Mto; p. 10, Sonata 2.ª e Rondó non molto An[te]; p. 11, [Minuete], M.to Thiatral, M.to; p. 12, N. 2 M.to, All.º 
Contradança, M.to Da Saudade; p. 13,
M.to dos Ungaros, Dos Ungaros All.º Contradansa, Allegro. Na p. 2, foram grafadas as seguintes siglas: D.V.D. e M.B..

Giuseppe Totti (fl. 1780-1832), Quartetto per due Mandolini, e due Chitarre di Giusepe Toti, Ms., s.d., c. 1793, P-Ln, F.C.R. 216//47.

Partitura  autógrafa. Na parte da 1.ª Chitarra, por baixo desta palavra e ligeiramente à direita, lê-se, Violaõ; sobre o início dos dois primeiros compassos desta parte, o autor escreveu: Uniss // col Chitr.. A  primeira secção é um All.º, seguido de um Rondeau All.º. No final do Rondó, foi escrito o seguinte: Hade tiraras 4.ª partes, e a cada sinal / destes [sinal de repetição] ponhales estes mesmas palavras que aqui estaõ daCapo o Rondeau.
João Gabriel Le Gras (fl. 1790-1808), Recueil D’Ariettes choisies avec Accompagnement de Guitarre Anglaise Dediées et Presentées à Son Altesse Royale D.na Maria Benedita Princeza do Brésil  Par son humble Serviteur Joaõ Gabriel Le Gras. P-La, 54-X-371-5, Ms, s.d., c. 1798.

Cf. MoraisM, pp. 83-97: 8. La bella pastorella, 9. Voi che il mio cor sapete , 10. Ah ! mio ben fra tanti affani. Le Gras ou Legras, violinista francês ao serviço da corte portuguesa.
João Gabriel Le Gras, Aria que chante o Crescentini dans Julio Sabino. P-La, 54-X-373, Ms s.d., c. 1798. 
“Guarda mi in questo oiglio”, extraída da ópera Giulio Sabino de Giuseppe Sarti (1729-1802), estreada  no Real Teatro de São Carlos, a 13-V-1798, cf. MoreauT, II, p. 724.  Esta ária está escrita para voz com acompanhamento da  guitarra inglesa.

João Gabriel Le Gras, Escala da Guitarra Inglès, Ms, s.d., c. 1798, P-La, 54-XII-17710.

Pequeno método para o instrumento: p. 2: Mode de Afinar a Guitarra, Cordes Avidas [sic]. Escala de meyos Puntos pela Guitarra; p. 3: 1ª Leçaõ, 1er Variation, 2e Variation; p. 4: 2da Leçaõ, 3a Leçaõ, 4a Leçaõ Andantino, 8eme Variation; p. 5: 2da Variation Adagio,  5ª Leçaõ, 6ª Leçaõ.

Manuel José Vidigal (fl. 1795-1824), Seis Minuettes para Guitarra e Baxo. Lisboa: Fran.co Dom.gos Milcent, s.d. c. 1796. P-Ln,  C.I.C. 29, http://purl.pt/433 (acesso em 15-II-2011).

GL, 6-V-1796, Supl. N. 18: “Seis Minuetes para Guitarra, composto por Manoel José Vidigal. Achaõ-se na Real Fabrica de Musica defronte do Pateo da Casa da Moeda, aonde se continua o Jornal de Modinhas, e na loja da Gazeta.”.

Manuel José Vidigal, Modinha: Cruel Saudade, A.P.D.G., cap. XII, extra texto n.º X, entre as pp. 221-3: “Vedegal’s modinha of ‘Cruel Saudade’”.

Cf.  MoraisM, pp. 117-19: 10. Cruel saudade (modinha).
M.[anuel] J.[osé] Vidigal, F.[ranciso] Gerardo e Anónimos, Colectânea de peças de diferentes autores para uma e duas guitarras portuguesas. P-Cug, MM, s/cota, s.d., c. 1794.

Ainda que no título da compilação se indique que o repertório se destina a ser tocado na guitarra portuguesa,  estas peças, que cotejámos com os originais, são para serem executados na velha guitarra “inglesa”.

[Manuel José] Vidigal, António Pedro Xavier Oliveira Barros Leite, [António da Silva Leite] [Çompilação de vários manuscritos soltos]. P-Cug, MM s.d, c. 1797.

Compilação de várias peças avulso, para guitarra solo, extraidas de diferentes fontes: LeiteG, entre outros autores como, Vidigal, António Pedro Xavier Oliveira Barros Leite e autores anónimos.

Bartholomeu Joze Giraldes, 18 Sinfonias para Guitarra Portugueza com acompanhamento de Guitarra Franceza Viola ou Violino. Ms. s.d., c. 1810-20; P-Cug, Ms. s/ cota.

Só nos chegou o vol. I: B.I.V.P., parte da guitarra portugueza. Arranjos de Aberturas de óperas de Marcos Portugal (1762-1830), [Vicente] Martin y Soler (1754-1806), [Johann Christoph] Vogel (1756-1788) e [Giachino] Rossini (1792-1868), compositores interpretados em Portugal, entre as décadas de 1810-20, cf. MoreauT.

Conclusão
 Muita da informação aqui recolhida carece, inevitavelmente, de uma mais aprofundada investigação musicológica. Todavia, uma comunicação no âmbito de um congresso não permite que o tema apresentado seja tratado de maneira exaustiva, mesmo quando o fixamos posteriormente por escrito, como neste caso, devido sobretudo à falta de uma bibliografia fiável, particularmente no que diz respeito ao repertório executado no período histórico abordado, assim como ao estudo organológico / morfológico das guitarras portuguesas que chegaram até nós. Também não acreditamos ser possível, num único estudo, esgotar todas as questões enunciadas, sobretudo quando abordamos matérias, em muitos casos ainda inéditas e das quais se desconhecem as fontes primárias, que seriam cruciais para a justificação histórica do nosso trabalho. Assim, gostaríamos de rematar este pequeno estudo, reiterando os sábios e oportunos versos do nosso poeta quinhentista, António Ferreira (1528-1569): “E os que depois de mim vierem, vejam / Quanto se trabalhou por seu proveito, / Porque eles pêra os outros assi sejam”.[xlii]
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[i] MacKillopS, RossiC e TylerP. Este cordofone de mão de caixa periforme e braço longo é, seguramente, um tipo revivificado ou reformulado da cítara europeia renascentista e maneirista (Port. cítara, cithara; Ing. cittern; Fr. cistre, sistre; It. cetra, cetera). A cítara europeia era montada usualmente com 4 ou 6 ordens de cordas de metal, duplas ou triplas, sendo a sua escala dividida por trastos cromáticos ou, nalguns exemplares, diatónicos, cf., Grove, IV, pp. 413-21, VI, pp. 199-200, MichelZ, pp. 27-38 e MoraisG, p. 96.
[ii] Resultante do acordado no célebre “Tratado de Methuen”, assinado em Lisboa, a 27 de Dezembro de 1703, entre Portugal e a Grã-Bretanha, com a finalidade de preservar e defender os interesses comerciais e económicos entre os dois países. Cf. SerrãoH, V, p. 229-30, História, pp. 343-45 e MoraisG, p. 110.
[iii] Irmandade de Santa Cecília, Docs. do Cofre, f. 2v, Lisboa, Igreja dos Mártires, cf.  MoraisG, p. 97 e MoraisE, II, p. 591.
[iv] MoraisG, p. 95, MoraisE, II, p. 591,  MoraisE, IV, p. 1335 e MoraisV.
[v] CostaG e SousaQ, LeiteG, p. 25: [porque] “segundo dizem, teve a sua origem na Gram-Bretanha.”. João Gabriel Le Gras (fl. 1790-1807), músico francês activo no nosso país, é o autor de um pequeno método intitulado: Escala da Guitarra Inglès, Ms, s.d., P-La, 54-XII-177. Para gravação da “Serenata IV” do Pereira da Costa, tocada sobre um instrumento original de Domingos José Araújo, Braga 1812, pertença de P-Lmm, MI 744, ver os CD’s, Fábrica de Sons, Philips 446294-2, fx. 8 e Segréis de Lisboa, Modinhas e Lunduns dos Séculos XVIII e XIX, Movieplay Classic, MOV. 3-11042 fx. 5.
[vi] LeiteG. Da primeira edição (1795), conhecemos três exemplares que se guardam, respectivamente: dois na GB-Bm, C. 145.a.1.; e um terceiro em US-Wc, MT582. S53. O impressor é o mesmo da 2.ª ed.,  António Álvarez Ribeiro.
[vii] LeiteG, p. 28: “Do Modo como se devem ferir as Cordas. As Cordas da Guitarra, [...] para causarem o seu preciso effeito, devem-se ferir com a polpa dos dedos, e tambem com as pontas das unhas: isto se entende, naõ se tocando piano, que a tocar-se, será unicamente com a polpa dos dedos, e nunca com as unhas, por fazer mais grato, e brando o som que das mesmas exigimos.”
[viii] LeiteG, p. 33, faz alusão a esta particularidade morfológica usada nalguns instrumentos: “Da Posição dos dedos na Guitarra com Teclas. Como algumas Guitarras trazem por esquipaçaõ, hum pequeno Teclado com seis Teclas, no fim, ou na parte inferior do bojo da mesma Guitarra; [...]”.
[ix] Para uma descrição mais completa, iconografia setecentista e fotos de instrumentos, cf, BainesE, BainesV, MichelZ, pp. 53-62, MoraisG e MoraisM,
[x] VarellaC, p. 53 e MoraisE, II, p. 603.
[xi] Para outras afinações, cf. MoraisS, p. 17, MoraisG, pp. 96 e 111-2 e MoraisE, II, p. 592.
[xii] LeiteE, p. 26, nota 6.
[xiii] Vide MoraisG, pp. 97-100 e 113. A este grupo falta acrescentar mais uma guitarra inglesa, construída por Domingos José de Araújo (fl. 1806-1820), Braga, 1807, que se guarda em P-Cmp, AA001, cf. GiacomettiC, pp. 132-3.
[xiv] P-Ln, C.I.C. 87 V., cf.  SilvaS, p. 15, MoraisG, MoraisE e, p. 15 e SilvaC, p. 279.
[xv] Ver abaixo quadro com a listagem de obras, P-Cug, MM, s/cota, s.d., c. 1794.
[xvi] 18 Sinfonias para Guitarra Portugueza com acompanhamento de Guitarra [= Viola] Franceza Viola ou Violino. P-Cug, Ms. s/ cota, Ms. s.d., c. 1810-20. Ver abaixo quadro com a listagem das obra.
[xvii] Ernesto Vieira (1848-1915) mantém esta classificação deixando-nos uma descrição muito detalhada do instrumento, morfologicamente muito similar ao inglês, salvo ser montado com seis ordens de cordas duplas.
[xviii] WhiteM, p. 38: “a guitarra, ou a velha guitarra inglesa, com seis cordas duplas de metal”.
[xix] GB-Lva, nº 222-1882. Cf.  BainesV, pp. 51-2, Fig. 77; BainesE, p. 44, Fig. 268; MoraisG, pp. 98 e 113, CabralG, pp. 115-6.  A descrição que se segue de sete guitarras portuguesa é feita de maneira sumária, por isso, sempre que possível, remetemos para a bibliografia existente.
[xx] Para mais detalhes, cf. BainesV, p. 52.
[xxi] P-Lmc, MC 5639/1177. Fotografia em Fados, p. 184, MoraisG, p. 113 e CabralG, p. 115.
[xxii] MoraisG, p. 99.
[xxiii] MoraisA, p. 75 e n. 97.
[xxiv] O 1º traste dista da pestana 24mm. Através desta medida é possível saber que tipo de temperamento foi praticado na divisão cromática dos trastes deste instrumento, que é a preconizada por VarellaC, pp. 51-2: “MEDIDAS DOS BRAÇOS DAS VIOLAS, E GUITARRAS, [...] Modo de dividir os braços das Violas, e Guitarras. As Violas, e Guitarras, para affinarem bem em todos os tons, seraõ repartidas nos braços do modo seguinte. Divida-se huma linha de dous palmos de comprimento, sobre huma taboa forte em 18 partes iguaes, e note-se o ponto, em que o compasso dá a 17.a parte, e este ponto será o lugar da primeira divisaõ, ou traste da Viola. Até esta divisaõ achada se torne a dividir a linha em 18 partes iguaes, aonde se achar a 17.a parte, nesse ponto será a segunda divisaõ, ou traste. E desta maneira se continúa.” Este tipo de afinação, conhecida desde o séc. XVI, é designada actualmente por “temperamento igual”, tendo sido usada sobretudo pelos cordofones de mão e de arco, tais como o alaúde, violas de mão, cítara, guitarras inglesas e portuguesas, e também pelas violas de gamba, cf. LindleyL, pp.19-42.
Este instrumento é impropriamente indicado como tendo pertencido à mítica cantadeira Severa, Maria Severa Honofriana, (1820-1846), cf. CostaS, Fado, p. 183 e MoraisG, p. 98, n. 17. 
[xxv] Este importante e único instrumento (não conhecemos outro exemplar deste violeiro), faz parte do espólio do Maestro Eurico Martins, São Roque, Funchal. A etiqueta não indica a data da sua feitura nem tão pouco o número da porta da oficina. Nada conseguimos averiguar até ao presente, sobre este violeiro. Todavia, a construção deste instrumento, embora sóbria, mostra ter saído das mãos de um mestre neste ofício.
[xxvi] O Poço do Barratem foi local onde tiveram oficinas outros violeiros desde o início do séc. XIX, dos quais destacamos o nome de Henrique Rofino Ferro (fl. 1.ª metade do séc. XIX), ver abaixo a descrição de duas guitarras portuguesas deste artesão.
[xxvii] P-Lmm, MI 590. Para foto deste instrumento vide, CabralG, p. 123.
[xxviii] Vide GiacomettiC, pp. 132-3, Fábrica, pp. 59-9 e MoraisG, pp. 97 e 113.
[xxix] Deste construtor conhecemos três guitarras: duas montadas com doze cordas, e uma terceira que arma, à maneira inglesa, com dez cordas, e que se preserva em P-Lmm, MI 682 , cf. Fábrica, pp. 58 e 61.
[xxx] Guarda-se na GB-Lva, n.º 222-1890,  cf. BainesV, p. 52 e Fig. 77, n.º 11/11.
[xxxi] Pertenceu à colecção recolhida por Ernesto Veiga de Oliveira (1910-1990), para a Fundação Calouste Gulbenkian. Hoje preserva-se em P-Lme. O instrumento foi reproduzido em CabralG, p. 145.
[xxxii] Este belíssimo e precioso instrumento faz parte do espólio do Eng.º José Leandro Ribeiro Faria, Funchal, Madeira. Tal como na guitarra de João António, é também um exemplar único, de um violeiro desconhecido até à data.
[xxxiii] Trabalho muito semelhante ao usado na segunda guitarra de Henrique Rofino Ferro (ver descrição acima). Esta guitarra portuguesa tem também muitas semelhanças com o instrumento construído por João António, particularmente no que respeita à feitura da cabeça, que em ambos é em forma de martelo.
[xxxiv] Como desconhecemos o verdadeiro apelido deste violeiro, podemos propor a sua leitura como N[UN]ES ou N[EV]ES, entre outras possíveis hipóteses.
[xxxv] Por baixo da última linha impressa, alguém escreveu, com tinta ferrogálica, o seguinte: “Naveia ou Naveio [?] / Nº 13”.
[xxxvi] Esta data, que avançamos com precaução, baseia-se nalgumas particularidades da sua construção, que colhem muitas semelhanças com as praticadas pelos violeiros João António (c. 1800) e Henrique Rofino Ferro (fl. na 1.ª metade do século XIX).    
[xxxvii] Segundo, LeiteG, p.28: “As Quartas, seraõ dous Bordoens cobertos, chamados vulgarmente Bordoens de G-sol-re-ut.”.
[xxxviii] VieiraD, p. 210. Este autor é o único que mantém o termo “guitarra portugueza” nos finais do séc. XIX e inícios do XX. Apesar de, em Portugal, se terem construído guitarras ao longo do todo o séc. XIX, não se conhece nenhum tratado impresso para o instrumento entre as primeiras décadas deste século até 1875. Nesta data são dados à estampa, em Lisboa, os dois primeiros métodos impressos conhecidos para a guitarra montada com seis ordens de cordas duplas. Todavia, nas suas páginas de rosto, ou ao longo dessas obras, nunca aparece a guitarra acrescida do epíteto portuguesa, como pode servir de exemplo o título do Apontamentos para um methodo de guitarra, por A[ambrósio] F[ernandes] Maia (fl. 1873-1904) e D. L. Vieira (fl. 1875). Lisboa: Typ. Lallemant Frères, 1875, P-Ln, B.A. 1162//14 V. Todos os outros métodos publicados entre esta data e inícios do séc. XX, mantêm o termo de guitarra para designar o instrumento, cf. MoraisG, pp. 101-3. Aliás, é simplesmente sob a designação de Guitarra que este cordofone de mão de caixa periforme tem a sua entrada na EMPSXX, II, p. 591.  
[xxxix] Ainda sobre questão da montagem à oitava das cordas graves da guitarra portuguesa, gostaríamos de reiterar que em todos os métodos publicados a partir de 1875, o instrumento arma com doze cordas, agrupadas em seis ordens de cordas duplas, e, em todos eles, se preconiza que as três últimas parcelas sejam oitavadas – como diz Vieira – mas não lhe chamam guitarra portuguesa, cf. MoraisG, pp.101-3 e MoraisE, II, p. 594.
[xl] Ombreando com António da Silva Leite, Manuel José Vidigal é provavelmente o mais destacado e conhecido  guitarrista português que esteve activo entre os finais do séc. XVIII e inícios do seguinte. Talvez seja, entre os outros citados, aquele de que nos chegou mais informação sobre a sua vida e particularmente sobre o seu carácter. Ernesto Vieira foi o primeiro a contribuir para se poder escrever uma biografia, ainda que pequena, sobre este guitarrista, baseada em fontes da época, cf. VieiraDb, II, pp. 393-5 e tb. MoraisM, p. 117.
[xli] Em Maio de 2001 realizámos para o C.H.A./UÉvora (hoje, C.H.A.I.A./UÉ), em parceria com os Profs. João Pedro d’Alvarenga e João Vaz, a microfilmagem de vários manuscritos existentes em bibliotecas e arquivos portugueses, nomeadamente: Coimbra (P-Cug); Porto (P-Lmm) e Braga (P-BRc). Assim, somos detentores de uma cópia digital desta compilação para guitarra, bem como de outras fontes citadas neste levantamento. De qualquer modo, a Arte de Música de António da Silva Leite merece um estudo aturado (onde se coteje o seu conteúdo com outros fontes conhecidas da época para o instrumento, entre outras investigações musicológicas), e que conduzam a uma merecida edição moderna, trabalho esse que estamos a preparar há já algum tempo.
[xlii] FerreiraP.
Manuel Morais nasceu em Lisboa em 1943. É tangedor de instrumentos de antigos de corda dedilhada e musicólogo. Estudou no Conservatório Nacional de Lisboa com Emílio Pujol (Viola), Santiago Kastner (Musicologia e Interpretação da Música Antiga) e Constança Capdeville (Composição). Como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian especializou-se na Suíça, entre 1968 e 1972, na célebre Schola Cantorum Basiliensis onde estudou, designadamente, o alaúde e instrumentos similares (viola de quatro, cinco e seis ordens e a tiorba) com Eugen M. Dombois e musicologia com Raymond Meylan (Universidade de Zurique). Fundou em 1972 e dirige desde então o grupo Segréis de Lisboa (<http://www.wix.com/moraissegreis/site#!>) com o qual tem realizado inúmeros concertos na Europa, Estados Unidos da América, Brasil, Bolívia, China e Índia. Gravou para as etiquetas Sassetti, Philips, Erato, EMI-Valentim de Carvalho, Movieplay e Portugaler. No ano de 1972 os Segréis de Lisboa foram agraciados com a Medalha de Mérito Cultural da Secretaria de Estado da Cultura. Tem publicados numerosos estudos e edições de Música Antiga Portuguesa vocal e instrumental (FCGulbenkian, entre outras editoras). Na Ilha da Madeira procedeu a uma exaustiva e meticulosa investigação sobre o seu património musical: identificou a mais antiga polifonia quinhentista madeirense (numa cópia manuscrita de inícios do séc. XVII); encontrou um grupo de obras dispersos de polifonia seiscentista pertencentes a um livro de facistol para a Semana Santa (Islhena/DRAC); publicou um extenso e diversificado repertório, datado de 1846, para o Machete madeirense da autoria de Cândido Drumund de Vasconcelos (espólio da Associação Recreio Musical União da Mocidade). Foi responsável pela coordenação do livro A Madeira e a Música: Estudos (c.1508-c.1974), Funchal: Empresa Municipal “Funchal 500 Anos”, 2008.  Para esta obra contribuiu com um extenso estudo intitulado “Achegas para a história da música na Madeira (c.1584-c.1897: Os instrumentos populares de corda dedilhada na Madeira” e “Alguns traços da História da Música na Madeira de P. de Wakcel” (com dilatadas notas de Manuel Morais). (<http://www.funchal500anos.com/04_detalhe.asp?ano=2008&id=280>). Actualmente prepara o estudo e edição de seis novos manuscritos madeirenses para o Machete (pertencentes, respectivamente, aos espólio da Associação Musical Xarabanda, Associação União Musical Recreio da Mocidade, e de quatro fundos privados madeirense).
Em 2010 criou um novo grupo a que chamou “Quinteto Drumond de Vasconcelos”, com a finalidade de divulgar a música madeirense dos sécs. XIX e inícios do XX. tendo-se estreado a 12 de Junho de 2010, num concerto realizado no Teatro Municipal Baltazar Dias, Funchal, integrado no “XXXI Festival de da Madeira  (<http://www.youtube.com/watch?v=EaRyv6KxeFA>). Em Setembro de 2010 gravou com este agrupamento um CD+Áudio para o GCEA, que intitulado ”Um Serão Musical no Funchal Oitocentista”. Este gravação será lançado no Funchal no próximo mês de Setembro.
Encontra-se no prelo um livro sobre as Canções para o Teatro de Gil Vicente (fl. 1502-1536), Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Brevemente dará à estampa uma monografia intitulada A Viola e os Violistas em Portugal (c.1415-c.1900).
Entre 1972 e 1998 foi Professor do Conservatório Nacional de Lisboa, sendo actualmente Professor Associado Jubilado da Universidade de Évora, continuando a sua relação com este estabelecimento de ensino superior como Investigador Integrado do C.H.A.I.A. (Centro de História da Arte e Investigação Artística) desta Universidade.
Em Março de 2006 foi-lhe atribuída pelo Presidente Jorge Sampaio a Comenda da Ordem do Infante por serviços prestados ao estudo e divulgação da Música Antiga Portuguesa.

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Obrigado por esta pérola.

27 de julho de 2011 às 21:46  

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