sábado, 26 de março de 2011

FADO CANÇÃO D'AMOR



Música: Reynaldo Augusto Álvares Leite da Silva Pinto Varela (1867-1940)
Letra: Reynaldo Augusto Álvares Leite da Silva Pinto Varela (1867-1940)
Incipit: Suspira o meu coração
Origem: Lisboa
Data: ca. 1903

Suspira o meu coração
Ao cantar meu sofrimento
A minh'alma torturada
Dilacera o pensamento.


Ai quantas vezes eu sonho
Numa mulher ideal
Que me dulcifiquei o mal
Deste meu viver tristonho.


Horas passadas na angústia
Duma vida amargurada
Na terrível incerteza
Do amor da minha amada.


No coração nasce a dor
Nos lábios morre a alegria;
Após amor outro amor;
Tudo acaba dia a dia.

Canta-se cada uma das quadras de seguida e repete-se.

Informação complementar:

Cançoneta ligeira, em compasso binário simples (2/4), na tonalidade de Dó Maior.

Composição literário-musical incaracterística, originarimente destinada a ser acompanhada à guitarra do Porto em afinação natural. A melodia, de marcada simplicidade, tanto poderia ser cantada nos salões por respeitáveis burguesas tocadoras de piano, como interpretada pelo próprio autor no paço real (Varella terá ministrado lições de guitarra e proporcionado audições ao rei D. Carlos I), ou mesmo entoada nos estilos consagrados pelos serenateiros de Coimbra e pelos fadistas activos em Lisboa e no Porto.

Reynaldo Varella foi um compositor/cantor/executante de guitarra do Porto muito reproduzido em Coimbra entre ca. 1890-1940, através do seu reportório impresso e profusamente gravado em discos pelo próprio. Algumas das suas obras mais emblemáticas, como o Fado das Três Horas (Murmura, rio murmura) eram abundantemente tocadas por bandas filarmónicas e tunas.

Há dúvidas quanto ao local de nascimento deste guitarrista. Pesquisas recentes nos arquivos paroquiais de Ponte de Lima ainda não permitiram confirmar os dados do verbete da GEPB, havendo quem coloque como provável local de nascimento Guimarães. O que se sabe é que o autor era descendente dos Morgados de Tabuaço e filho de um escritor e cantor de mérito. Um seu tio, Coronel de Infantaria, também era músico. Um ascendente ligado à execução da guitarra foi o monge beneditino Frei Domingos Varella. Professor de instrumentos de corda, Reynaldo Varella viveu regularmente no Porto nas décadas de 1870, 1880 e 1890, tendo sido um dos executantes mais proeminentes da Guitarra do Porto. Dominava um extenso reportório constituído por fados, serenatas, baladas, valsas, apropriadas aos gostos aristocrático e burguês da Belle Époque e interpretava peças instrumentais extraídas da obra de compositores clássicos, na boa tradição dos tocadores de guitarra inglesa.

Em 1900 foi dos primeiros a gravar discos de 76 rpm, de uma só face, em rodelas de zinco, para a Gramophone, seguindo-se até ca. 1912 dezenas de registos fonográficos. Elaborou e publicou dois métodos para guitarra, do Porto, entenda-se, que era o instrumento que melhor dominava e tocava habitualmente. Barítono, era carinhosamente alcunhado o "Liszt da guitarra", tendo tocado para reis, presidentes e notabilidades. Consta que deu aulas de guitarra ao Rei D. Carlos I. E se não deu, a historieta quadra bem com os gostos dos últimos Braganças que sabiam música e gostavam de ouvir guitarristas. Na antiga sala de música do Palácio Nacional de Mafra há exemplares de guitarrilhas que eram tocadas e ouvidas nos serões da corte.

Obra editada editada em partitura impressa pela Typografia Eduardo Rosa, Lisboa, sem data. Tema gravado pelo autor, Reynaldo Varela, em Lisboa, ca. 1911, no 78 rpm Homokord 9294. A 2.ª quadra padece de alguma falta de finura.

Transcrição: Octávio Sérgio (2011)
Texto: José Anjos de Carvalho e António Manuel Nunes
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Leitura da partiutura em MIDI
(Link)

5 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Uma leve correcção quanto à biografia do Varella: ele publicou três métodos de guitarra e não dois, um por volta de 1895, outro por volta de 1905, e outro ainda por volta de 1924. Tenho uma cópia do segundo, e destacam-se algumas variações agradáveis sobre o fado.

Quanto à categorização de executante de guitarra "do Porto", acho um tanto arriscada: se com isto se entende que ele tocava em guitarras do Porto, penso que ele terá tocado em guitarras de fabrico variado ao longo dos anos, e não creio que por esta época fosse dada muita importância ao modelo do instrumento usado (basta ver o caso do Hilário, entre outros); por outro lado, também não creio que as diferenças de reportório ou de técnica (e esta variava muito até numa só cidade ou periferia) justificavam esta divisão regional. Não sei se os Sres. concordam, mas merece alguma reflexão.

Deixo também um muito obrigado pela disponibilização desta partitura, que desconhecia. É curioso que este fado tenha a palavra canção no título, mas que de canção não tenha nada, sendo formalmente e ritmicamente um fado tradicional, sem margem alguma para contestações.

30 de março de 2011 às 23:33  
Anonymous Anónimo disse...

Pela parte que me toca, agradeço este comentário.

Acrescento apenas que nos centrámos no Varella dos anos de 1870 até ca. 1900, e nessa fase não há a menor dúvida de que morava regularmente no Porto e que tocava predominantemente guitarra do Porto.

Depois ele foi estabelecer-se em Lisboa e aí é de admitir, conforme propõe o autor do comment, que tenha diversificado as performances.

Por conseguinte, não se veja nas nossas palavras uma "categorização". Tratou-se apenas de considerar este prolixo autor numa determinada fase da sua vida.

Quanto ao métodos que menciona e as de outros autores, de lamentar que as bibliotecas públicas onde porventura existam ainda não os tenham digitalizado.

Cumprimentos

António M Nunes

31 de março de 2011 às 21:58  
Anonymous Anónimo disse...

Caro António Nunes,

Se puder deixar algum contacto, posso-lhe facultar o tal método.

4 de abril de 2011 às 17:56  
Blogger pabloleemusica disse...

Bom dia,a todos.
Fujo um pouco ao tema, mas espero não faltar com importância.
Estou fazendo um estudo sobre as primeiras gravações de Guitarra solo realizadas em cilindros (Edison).
Encontrei o seguinte anúncio:
"19476 Fado Corrido, Guitar Solo, Reynaldo Varella"
(Edison Phonograph Monthly. Vol. VIII. February, 1910. No.2. p.7 / Foreign Records for February - Portuguese Records For February - Standard (Two Minutes)).

Ainda não consegui encontrar o áudio (na internet).
Uma questão que parece-me incerta é:
Esta Guitarra gravada por Varella era uma "Spanish Guitar/Viola Francesa/Violão" ou era uma Guitarra Portuguesa?

Meu estudo é para um Mestrado (Artes Musicais - FCSH). Obviamente, além de agradecer imensamente qualquer esclarecimento, sugestão, indicação, enfim, terei todo prazer em citar os devidos créditos por informações recebidas em minha Tese.

Desde já, obrigado por qualquer atenção, e parabéns pelo vosso trabalho.

28 de janeiro de 2017 às 13:22  
Blogger AMNunes disse...

Tenho conhecimento que Reynaldo Varella (RV) gravou cilindros Edison, alguns do quais provavelmente na década de 1890, mas não tenho nem nunca ouvi nenhum.

Sei também de fonte segura que no inverno de 1900 se deslocou ao Porto para gravar vários berliners de uma só face. Nunca consegui ouvir nenhum desses discos.

Em Lisboa, entre 1903 e 1911, gravou uma quantidade ciclópica de discos de 74 e 76 rpm.

A qualidade da performance de RV é muito desigual. Os discos são de gravação mecânica e gravados ao vivo e em simultâneo (voz+guitarra).

RV tinha ilustração musical, ensinava instrumentos de corda, foi professor da casa real de Bragança, acompanhou a aristocracia frequentemente em deslocação a termas, editou vários manuais de ensino para guitarra [cítara]/violão [na época correntemente designado viola francesa] e para bandolim.

Nas performances ao vivo RV costumava cantar e dedilhar guitarra [cítara de concerto]. Nos discos, a sua voz que seria de tenor não sobressai. Quanto ao acompanhamento, nos fonogramas em que se ouve guitarra [cítara] o instrumentista é o próprio cantor, RV.

Como performer de guitarra [cítara aportuguesada], RV executava canções populares portuguesas, trechos de música erudita, fados em voga e serenatas no estilo de Coimbra. Como solista de guitarra [cítara] raros são os fonogramas em que faz jus à fama de que gozou, atendendo que foi considerado um Liszt daquele cordofone.

Um aspeto muito curioso é que RV quando canta fados mantém a pronúncia nortenha acentuada, mas quando entoa música de salão e repertório no estilo de Coimbra adota uma fonética polida.




Na época considerada não se denominava a viola de seis ordens singelas como "guitarra". Nos conservatórios e academias de música dizia-se viola francesa, como para o violino se dizia rabeca e para o contrabaixo rabecão. Guitarra era apenas e só a versão aportuguesada da cítara europeia.




Eis o que posso dizer. Não sou especialista em RV, nem RV é uma figura da Canção de Coimbra, pese embora o facto de ter gravado considerável repertório conimbricense.

António Manuel Nunes

28 de janeiro de 2017 às 21:42  

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