sexta-feira, 20 de maio de 2011

Artigo do Diário de Coimbra do dia 9 deste mês sobre a exposição de Guitarras de Coimbra no Museu do Chiado.

Comentário
Do que, até hoje li, João de Deus não tocou Guitarra, mas viola nos 10 anos que por cá andou, dado que até pode ser utilizado para estabelecer a "Data" em que ela começa a ser utilizada em Coimbra.
Outro facto, a guitarra que foi oferecida pela família do Hilário, no seu Centenário de nascimento, não foi a que mais utilizou! esta foi-lhe oferecida pouco antes de falecer pelo Ateneu Comercial de Lisboa--na homenagem a João de Deus (?) no Coliseu de Lisboa
Joaquim Pinho

Comentário:
Aproveito para felicitar o Dr. Joaquim Pinho pelo comment anexo ao recorte de jornal editado no Blogue Guitarra de Coimbra em 9 de Maio sobre a exposição de guitarras que se encontra patente no Edifício Chiado em Coimbra.
Visitei em Abril essa esposição na companhia dos amigos Luís Carlos Santos e Fernando Marques. Parecíamos três marretas!
Quando me perguntaram qual a minha opinião, aproveitei para dizer que sem desprimor para quem idealizou o projecto gostaria de ali ter visto um catálogo de referência, a edição de um dvd com faixas sonoras de todos os instrumentos expostos que estão em condições de ser tocados e um quiosque de audição da "voz" de cada um dos instrumentos. Alguns deles foram usados em registos fonográficos realizados no século XX, de que sobram exemplares na Fonoteca Municipal de Coimbra no no Museu Académico de Coimbra. Outros remetem para a memória comovida de nomes como Manuel Mansilha, Francisco Menano, Artur Paredes ou António Portugal, lembrando as múltiplas sensibilidades estéticas, identidades e lutas que foram fazendo aquilo que a Canção de Coimbra hoje é.
Gostaria igualmente de ter saboreado uma cronologia mais coerente e completa. Em minha opinião teria sido um bom momento para exibir nesta exposição réplicas da Cítara e da Guitarra Inglesa, cordofones que comprovadamente se usaram se tocaram em Coimbra no século XVIII e ao longo do século XIX em serenatas, fogueiras sanjoaninas, peditórios de confrarias, romarias e danças.
Relativamente a Augusto Hilário, não posso deixar de corroborar as pertinentes palavras do Dr. Joaquim Pinho. A guitarrilha de Augusto Hilário que veio do Museu Académico para a expo é uma guitarra de Lisboa no que respeita aos caracteres externos primários do cordofone. Um deles é precisamente a adopção da voluta espiralada que já se usava na Europa pelo menos desde o século XVI na famíla dos violinos. Pois bem, esta guitarrilha é uma das várias guitarras usadas por Augusto Hilário ao longo da sua carreira de artista amador, tudo indica que a última. Já divulgámos no Guitarra de Coimbra uma foto da primeira metade da década de 1890 que mostra Augusto Hilário com uma Guitarra do Porto nas mãos, a qual tem inclusivé a boca ornada com rosácea, uma tradição comum aos cordofones de luxo, que no caso vertente permaneceu nas oficina do Porto por via da Guitarra Inglesa.
Postas as coisas nestes termos, não é correcto sacralizar a guitarrilha lisboeta como "a guitarra de Hilário", fazendo dela uma espécie de relicário ou de santo sudário para veneração dos menos avisados, numa espécie de replicação acrítica e mal fundamentada do fenómeno de veneração de uma guitarra que se tem atribuído à fadista Maria Severa.
Já no que respeita a João de Deus, chama a atenção logo na entrada da expo uma foto de João de Deus Pai, ali indicado como tocador de guitarra, e em proximidade uma guitarrilha de Lisboa, referenciada como sendo do mesmo João de Deus. Aqui há efectivamente uma confusão que resulta da falta de aprofundamento do assunto. João de Deus Ramos, PAI (1830-1896), que levou dez anos a ir fazendo Direito, não era nem nunca foi guitarrista nem cantor de fados. Ele próprio deixou testemunho sobre o assunto, as suas palavras são fiáveis e merecem crédito. João de Deus Ramos foi cantor de anfiguris, cançonetas chocarreiras e de serenatas. Uma das canções que mais interpretava era o Choradinho de Coimbra, uma composição que cheguei a julgar definitivamente perdida, mas que vim a encontrar num disco gravado pelo cantor popular de Coimbra Francisco Caetano. Vejamos, o Choradinho de Coimbra era uma macaqueação lamuriosa do Estalado, que por seu turno é o Malhão na lição popular conimbricense. O que João de Deus Ramos tocava era a Banza de Coimbra, designação que tem gerado a maior confusão com a guitarra. Porquê esta confusão? Porque em Lisboa "banza" é a guitarra de fado e quando os primeiros cronistas do fado praticado em Lisboa começaram a escrever sobre Coimbra pensaram que "banza" era guitarra. Mas não, banza em Coimbra é a viola de arame, melhor dito a Viola Toeira que Deus tenha em sua santa glória e que tarda em ser alvo de acções patrimonializadoras. Só mais tarde, bem depois de João de Deus Ramos ter saído de Coimbra é que a guitarra
começou a ser apodada de banza. Aliás, no rigor dos rigores, e para falar a linguagem dos Salatinas, banza é a guitarra antiga e não a que Mestre Artur Paredes deu à cidade. Adiante, a etnoantropologia ensina-nos muita coisa. Conforme tenta dizer o Dr. Joaquim Pinho, a guitarrilha que está na expo como sendo do Pai é a do Filho, quero dizer do estudante João de Deus Battaglia Ramos (1878-1953) que cursou Direito entre 1896-1902 e rapidamente se distinguiu como guitarrista. Há biografias de João de Deus Filho que referem que este deixou "um fado em dó menor"(?), sendo certo que Coimbra dele herdou, isso sim, o famoso Fado João de Deus que na década de 1920 ainda era furiosamente tocado pelos estudantes em versão instrumental. João de Deus Filho, deu mais a Coimbra, o 1.º Jardim Escola de Portugal, e fez letras para algumas melodias que já se encontram devidamente recolhidas.
Uma exposição nunca pode agradar a todos. O projecto é interessante e a ideia de trazer a banca de Raul Simões resulta bastante bem. Hoje em dia, para prevenir as vulnerabilidades recorre-se a conselheiros e a consultores especializados em determinadas matérias. Este tipo de aconselhamento teria permitido apor junto de cada cordofone uma ficha técnica com dados sobre as madeiras utilizadas, as dimensões, os restauros, o estado de conservação e a data de fabrico.
Se calhar estou a ser demasido exigente. Mas como antigo estudante de Coimbra que também sou, gostaria de ter saído desta exposição com algo que pudesse fazer memória histórica, visual e sonora.
António Manuel Nunes


4 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Do que ,até hoje li ,João de Deus não Tocou Guitarra ,mas viola nos 10 anos que por cá andou,dado que até pode ser utilizado para estabelecer a "Data" em que ela começa a ser utilizada em Coimbra--
outro facto a guitarra que foi oferecida pela família do Hilário,no seu Centenário de nascimento,não foi a que mais utilizou ! esta foi-lhe oferecida pouco antes de falecer pelo Ateneu Comercial de Lisboa--na homenagem a João de Deus (?) no Coliseu de Lisboa
J.Pinho

9 de maio de 2011 às 23:10  
Anonymous Anónimo disse...

Ambos os comentários suscitam questões interessantes. Deixo também algumas migalhas...

Se a guitarra que pertenceu ao Hilário e que está exposta foi muito ou pouco tocada pelo mesmo até à morte, só Deus sabe - mas ao contrário da guitarra da Severa, sabe-se de facto que foi dele; se é para venerar, ao menos que se venere o que é genuíno! Creio que existe uma gravura do próprio com a dita guitarra.
Em todo o caso, é necessário lembrar que pela sua mão parecem ter passado inúmeros instrumentos. O Fado Hilário antigo que o mesmo compôs em 1894, antes sequer de receber a guitarra de Lisboa exposta, foi improvisado numa guitarra pequena também do «tipo de Lisboa», com voluta em caracol, afinada na antiga afinação natural herdada da guitarra inglesa, lembrando o testemunho do seu amigo Antero da Veiga. Creio que neste blog chegou também há uns anos a ser publicada uma imagem rara de Hilário com uma guitarra parecida à descrita, editada num jornal por volta de 1910. Dá-se depois também o caso já mencionado da estranha guitarra do Porto com rosácea... e vale também a pena lembrar que nessa época a morfologia das guitarras produzidas em Coimbra ainda não estaria, salvo erro, verdadeiramente autonomizada das do Porto ou de Lisboa (acabaria por ventura por aproximar-se do modelo portuense).

Outro comentário que não posso deixar de fazer, é o de que, ao contrário do que é dito no artigo de jornal em questão, todas as guitarras expostas respeitam «as especificades que caracterizam o instrumento» - cada qual na sua era! Acrescento ainda que ao contrário do que se possa assumir, a guitarra de dois oríficios foi um modelo fabricado durante umas três décadas no início do século passado, e o caso exposto não constitui portanto um modelo único ou atípico - que segue paramêtros lisboetas não é de admirar, porque foi fabricada em Lisboa, mas isso pouco importa.

Quanto ao Fado João de Deus, creio que foi editado um fado desse título no cancioneiro de César das Neves, pela década de 1890; se é o mesmo que conhecemos, só verificando (posso conferir isso amanhã). Ora, se for o mesmo, a atribuição tanto a João de Deus pai como filho torna-se talvez algo questionável, a menos que haja uma fonte segura de autoria. Assim que verificar digo qualquer coisa...

20 de maio de 2011 às 15:52  
Anonymous Anónimo disse...

Verifiquei, e creio que se confirma haverem pelo menos dois fados João de Deus diferentes (eu pelo menos, mas sublinho que de memória, não vejo semelhança alguma entre o editado no cancioneiro do César das Neves com o outro que ouvi, com variações pelo José Nunes). Ainda em relação ao dito fado, o cancioneiro deixa mais ou menos claro que o autor não terá sido o com o qual o nome foi baptisado.

21 de maio de 2011 às 13:31  
Anonymous Dulce Simões disse...

Estimado Senhor, o facto deste blog se interessar pela guitarra de Coimbra, partilhando informação de pessoas que me parecem conhecedoras, animou-me a escrever.
Esta exposição, com a recriação da oficina que Raul Simões tinha no nº 9 do Bairro de Santana, veio provocar na família o debate sobre a autoria da reforma da guitarra de Coimbra, cuja memória permanece ligando Artur Paredes a Raul Simões. Artur Paredes era assíduo frequentador da casa-oficina de Raul Simões, e por vezes até o acordava a meio da noite com uma nova ideia. Desta relação entre guitarrista e guitarreiro está associada, na memória familiar, a renovação da guitarra de Coimbra com "uma sonoridade mais toeira", sem decorações de madrepérola, e com uma caixa mais estreita. Raul Simões também dominava a construção da viola toeira, para além de ser um excelente executante, salvo erro do "Estaladinho", que gravou para Michel Giacometti, cuja foto está publicada na obra de Ernesto Veiga de Oliveira (Instrumentos Musicais Populares Portuguesa, foto 148). Mas, lamentavelmente, Raul Simões não faz parte da história oficial dos construtores de guitarra de Coimbra, como se tivesse sido apagado. Talvez o fenómeno se deva ao isolamento que viveu em Coimbra até aos anos 70, ao seu temperamento difícil, pouco social, aliado ao perfeccionismo que punha em todos os seus trabalhos, ou talvez pelo incómodo que causava aos seus clientes quando sujeitos a um inquérito sobre o instrumento que pretendiam comprar, ou por nunca ter partilhado com os filhos os segredos da arte, por a considerar ingrata como meio de subsistência, levando os filhos a radicarem-se em Lisboa noutras actividades profissionais. Apenas a filha Deolinda Simões Vilaça Lacerda permaneceu em Coimbra, onde casou com Armando Vilaça Lacerda e foi funcionária da Câmara Municipal. Desta forma, a arte de Raul Simões (herdada do pai) e permanentemente aperfeiçoada, nasceu e morreu com ele, no esquecimento. Embora esta exposição venha legitimar o seu lugar na história, este está espartilhado num discurso redutor de "o último violeiro de Coimbra". A que Raul Simões, se fosse vivo, responderia com mágoa: "-Fui copiado vergonhosamente!", pois acontecia comprarem-lhe instrumentos com o único objectivo de os desmanchar e copiar. Por tal, agradecia todas as informações que pudesse recolher junto das suas fontes coimbrãs, sobre as guitarras construídas por Raul Simões. Com os melhores cumprimentos.

8 de junho de 2011 às 18:11  

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