sábado, 4 de agosto de 2012

3 de Agosto de 2012

"A Vida dos Sons": deseja-se menos cinzenta e mais multicolor (VI)

A edição do programa "A Vida dos Sons" relativa ao ano de 1973 teve, também, o triste condão de pecar por defeito em matéria cultural.
http://nossaradio.blogspot.pt/2012/08/a-vida-dos-sons-deseja-se-menos.html (Ouça neste endereço todas as peças abaixo indicadas como YouTube)
Falecimento do poeta e cantor Edmundo de Bettencourt; nascido no Funchal, estudou Direito em Lisboa e, a partir de 1922, em Coimbra, onde integrou o grupo fundador da "Presença" (1927), cujo título sugerira, e em cujas edições publica "O Momento e a Legenda"; vem a afastar-se em 1930, subscrevendo com Miguel Torga e Branquinho da Fonseca uma carta de dissensão, em que denuncia o risco em que a revista incorria ao enquadrar o "artista em fórmulas rígidas", esquecendo o princípio de "ampla liberdade de criação" defendido nos primeiros tempos; antes e concomitantemente, Edmundo de Bettencourt teve relevante papel na renovação da canção de Coimbra ao abordá-la com uma nova postura interpretativa, ajudada pela beleza tímbrica da sua voz e pela extraordinária guitarra de Artur Paredes, bem patente em "Saudades de Coimbra", em "Menina e Moça" e em "Fado da Sugestão" [>> YouTube], e ao incorporar no repertório coimbrão espécimes originários de outras regiões do país, como "Saudadinha" (Açores) [a partir de 11':35" >> YouTube], "Canção do Alentejo" [>> YouTube], "Canção da Beira Baixa" [a partir de 15':05" >> YouTube] e "Senhora do Almortão e Senhora da Póvoa" (Beira Baixa) [>> YouTube]; uma das suas mais imortais criações intitula-se "Samaritana" (letra e música de Álvaro Cabral) [>> YouTube]; a redacção de "Poemas Surdos", entre 1934 e 40, alguns dos quais publicados na revista lisboeta "Momento", permite antedatar o surto do surrealismo em Portugal, enquanto adesão a um «sistema de pensamento, no que ele tem de fuga à chamada realidade, repúdio dos valores duma civilização e esperança de acção num domínio onde por tradição ela é quase sempre negada»(cf. entrevista concedida a João de Brito Câmara), embora não seja possível esclarecer com especificidade qual foi o conhecimento que Bettencourt teve da lição surrealista francesa; a sua produção poética, boa parte da qual dispersa em diversas publicações, seria reunida no livro "Poemas de Edmundo de Bettencourt" (1963), prefaciado por Herberto Hélder, poeta que, pela primeira vez, faz justiça à originalidade do autor de "Poemas Surdos", considerando-o «uma das pouquíssimas vozes modernas entre o milagre do "Orpheu" e o breve momento surrealista português»

Edição do álbum "Venham Mais Cinco", de José Afonso;«"Venham Mais Cinco" é o segundo álbum "francês" com arranjos e direcção musical de José Mário Branco e é um dos pontos mais altos da carreira discográfica de José Afonso. É inútil discutir se é melhor que "Cantigas do Maio", tanto mais que é evidente a sua complementaridade. Partindo das mesmas premissas de extrapolação da balada para outras paisagens musicais, o disco de 1973 triplicou o número de músicos empregues dois anos antes, dezoito no total. José Niza recorda a razão de tão grande número de participantes: "É o disco com mais músicos porque cada canção foi encenada de acordo com determinado tipo de sonoridades e de instrumentos." José Mário Branco imprimiu a "Venham Mais Cinco" o seu estilo, tal como o fizera em "Cantigas do Maio". Recorreu de novo a Michel Delaporte e ao seu arsenal de percussões, mas num contexto de diversificação de horizontes sonoros, acrescentou instrumentos como o violino, o violoncelo, a harpa e o saxofone, até então ausentes na discografia de Zeca Afonso, enquanto este, por seu turno, introduziu um elemento estranho na paleta do seu director musical, sob a figura do guitarrista brasileiro Yório Gonçalves. A unidade musical que formava o reportório de "Cantigas do Maio" deu lugar a uma diversidade em "Venham Mais Cinco", onde as suas intuições foram exploradas numa multiplicidade de direcções. E à maior variação sonora correspondeu logicamente uma mais declarada liberdade poética. "Venham Mais Cinco" [>> YouTube] é um típico hino dos anos de resistência, "Adeus, ó Serra da Lapa" [>> YouTube] será uma forma mais lírica de dizer o mesmo, mas já "A Formiga no Carreiro" [>>YouTube] cruza a evidente metáfora de insurreição no refrão com a fábula surrealista dos versos. Antes, José Afonso já cortejara o paradoxo, mas este é o álbum em que mais se afastou do discurso inteligível. Temas como "Gastão era Perfeito" [>>YouTube] e "Nefretite Não Tinha Papeira" [>> YouTube] revelam um humor corrosivo, mas também desconcertante, enquanto "Paz, Poeta e Pombas" [>> YouTube] é quase um poema fonético. Foi aqui que José Afonso celebrou por excelência a desordem do discurso verbal e musical, porventura a forma superlativa de sagrar a revolução. E por isso mesmo, se "Cantigas do Maio" é o seu álbum mais aclamado, "Venham Mais Cinco" é uma das suas obras mais enigmáticas e perenes, ontem resistente a um regime político, hoje a uma cultural boçal.» (Luís Maio, in "Os Melhores Álbuns da Música Popular Portuguesa", Público/FNAC, 1998). Refira-se que alguns temas deste álbum, entre os quais "Era Um Redondo Vocábulo" (que muitos consideram a mais sublime composição de José Afonso) [>> YouTube], foram concebidos durante o período em que esteve detido na prisão de Caxias, em Abril e Maio de 1973; para o alinhamento ficar completo, há que referir "Rio Largo de Profundis" [>> YouTube], a sublime "Que Amor Não Me Engana" [>> YouTube] e " Se Voaras Mais ao Perto" [>> YouTube];
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Excerto de "A vida dos sons": deseja-se menos cinzenta e mais multicolor (VI) de Álvaro José Ferreira

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