Artigo do Diário de Coimbra do dia 9 deste mês sobre a exposição de Guitarras de Coimbra no Museu do Chiado.
Comentário
Do que, até hoje li, João de Deus não tocou Guitarra, mas viola nos 10 anos que por cá andou, dado que até pode ser utilizado para estabelecer a "Data" em que ela começa a ser utilizada em Coimbra.
Outro facto, a guitarra que foi oferecida pela família do Hilário, no seu Centenário de nascimento, não foi a que mais utilizou! esta foi-lhe oferecida pouco antes de falecer pelo Ateneu Comercial de Lisboa--na homenagem a João de Deus (?) no Coliseu de Lisboa
Joaquim Pinho
Comentário:
Aproveito para felicitar o Dr. Joaquim Pinho pelo comment anexo ao recorte  de jornal editado no Blogue Guitarra de Coimbra em 9 de Maio sobre a  exposição de guitarras que se encontra patente no Edifício Chiado em  Coimbra.
Visitei em Abril essa esposição na companhia dos amigos Luís  Carlos Santos e Fernando Marques. Parecíamos três marretas!
Quando me  perguntaram qual a minha opinião, aproveitei para dizer que sem desprimor  para quem idealizou o projecto gostaria de ali ter visto um catálogo de  referência, a edição de um dvd com faixas sonoras de todos os instrumentos  expostos que estão em condições de ser tocados e um quiosque de audição da  "voz" de cada um dos instrumentos. Alguns deles foram usados em registos  fonográficos realizados no século XX, de que sobram exemplares na Fonoteca  Municipal de Coimbra no no Museu Académico de Coimbra. Outros remetem para a  memória comovida de nomes como Manuel Mansilha, Francisco Menano, Artur  Paredes ou António Portugal, lembrando as múltiplas sensibilidades  estéticas, identidades e lutas que foram fazendo aquilo que a Canção de  Coimbra hoje é.
Gostaria igualmente de ter saboreado uma cronologia mais  coerente e completa. Em minha opinião teria sido um bom momento para exibir  nesta exposição réplicas da Cítara e da Guitarra Inglesa, cordofones que  comprovadamente se usaram se tocaram em Coimbra no século XVIII e ao longo  do século XIX em serenatas, fogueiras sanjoaninas, peditórios de confrarias,  romarias e danças.
Relativamente a Augusto Hilário, não posso deixar de  corroborar as pertinentes palavras do Dr. Joaquim Pinho. A guitarrilha de  Augusto Hilário que veio do Museu Académico para a expo é uma guitarra de  Lisboa no que respeita aos caracteres externos primários do cordofone. Um  deles é precisamente a adopção da voluta espiralada que já se usava na  Europa pelo menos desde o século XVI na famíla dos violinos. Pois bem, esta  guitarrilha é uma das várias guitarras usadas por Augusto Hilário ao longo  da sua carreira de artista amador, tudo indica que a última. Já divulgámos  no Guitarra de Coimbra uma foto da primeira metade da década de 1890 que  mostra Augusto Hilário com uma Guitarra do Porto nas mãos, a qual tem  inclusivé a boca ornada com rosácea, uma tradição comum aos cordofones de  luxo, que no caso vertente permaneceu nas oficina do Porto por via da  Guitarra Inglesa.
Postas as coisas nestes termos, não é correcto sacralizar a  guitarrilha lisboeta como "a guitarra de Hilário", fazendo dela uma espécie  de relicário ou de santo sudário para veneração dos menos avisados, numa  espécie de replicação acrítica e mal fundamentada do fenómeno de veneração  de uma guitarra que se tem atribuído à fadista Maria Severa.
Já no que  respeita a João de Deus, chama a atenção logo na entrada da expo uma foto de  João de Deus Pai, ali indicado como tocador de guitarra, e em proximidade  uma guitarrilha de Lisboa, referenciada como sendo do mesmo João de Deus.  Aqui há efectivamente uma confusão que resulta da falta de aprofundamento do  assunto. João de Deus Ramos, PAI (1830-1896), que levou dez anos a ir  fazendo Direito, não era nem nunca foi guitarrista nem cantor de fados. Ele  próprio deixou testemunho sobre o assunto, as suas palavras são fiáveis e  merecem crédito. João de Deus Ramos foi cantor de anfiguris, cançonetas  chocarreiras e de serenatas. Uma das canções que mais interpretava era o  Choradinho de Coimbra, uma composição que cheguei a julgar definitivamente  perdida, mas que vim a encontrar num disco gravado pelo cantor popular de  Coimbra Francisco Caetano. Vejamos, o Choradinho de Coimbra era uma  macaqueação lamuriosa do Estalado, que por seu turno é o Malhão na lição  popular conimbricense. O que João de Deus Ramos tocava era a Banza de  Coimbra, designação que tem gerado a maior confusão com a guitarra. Porquê  esta confusão? Porque em Lisboa "banza" é a guitarra de fado e quando os  primeiros cronistas do fado praticado em Lisboa começaram a escrever sobre  Coimbra pensaram que "banza" era guitarra. Mas não, banza em Coimbra é a  viola de arame, melhor dito a Viola Toeira que Deus tenha em sua santa  glória e que tarda em ser alvo de acções patrimonializadoras. Só mais tarde,  bem depois de João de Deus Ramos ter saído de Coimbra é que a guitarra  
começou a ser apodada de banza. Aliás, no rigor dos rigores, e para falar a  linguagem dos Salatinas, banza é a guitarra antiga e não a que Mestre  Artur  Paredes deu à cidade. Adiante, a etnoantropologia ensina-nos muita  coisa. Conforme tenta dizer o Dr. Joaquim Pinho, a guitarrilha que está na  expo como sendo do Pai é a do Filho, quero dizer do estudante João de Deus  Battaglia Ramos (1878-1953) que cursou Direito entre 1896-1902 e rapidamente  se distinguiu como guitarrista. Há biografias de João de Deus Filho que  referem que este deixou "um fado em dó menor"(?), sendo certo que Coimbra  dele herdou, isso sim, o famoso Fado João de Deus que na década de 1920  ainda era furiosamente tocado pelos estudantes em versão instrumental. João  de Deus Filho, deu mais a Coimbra, o 1.º Jardim Escola de Portugal, e fez  letras para algumas melodias que já se encontram devidamente  recolhidas.
Uma exposição nunca pode agradar a todos. O projecto é  interessante e a ideia de trazer a banca de Raul Simões resulta bastante  bem. Hoje em dia, para prevenir as vulnerabilidades recorre-se a  conselheiros e a consultores especializados em determinadas matérias. Este  tipo de aconselhamento teria permitido apor junto de cada cordofone uma  ficha técnica com dados sobre as madeiras utilizadas, as dimensões, os  restauros, o estado de conservação e a data de fabrico.
Se calhar estou a  ser demasido exigente. Mas como antigo estudante de Coimbra que também sou,  gostaria de ter saído desta exposição com algo que pudesse fazer memória  histórica, visual e sonora.
António Manuel Nunes
    
    



